domingo, 14 de setembro de 2008

Nota

A proposta destas páginas é mostrar a vida de uma pessoa com transtorno bipolar de humor e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O que tento relatar aqui não é apenas sobre psiquiatria, psicologia, farmacologia, sangue, tentativas de suicídio, depressão, etc. Acredito que o pior já tenha passado, apesar do diabo estar sempre me perseguindo através das minhas oscilações e as intercorrências que algumas vezes (quase) me deixaram sem médico ou sem os remédios que tanto preciso. Vou tocando minha vida e muitas vezes tenho orgulho de mim mesmo por conseguir atravessar situações que antes me deixariam extremamente depressivo. Estou me desenvolvendo, aos poucos e muito lentamente. Pena não vivermos duzentos anos. Só assim, eu conseguiria ser a pessoa que tanto gostaria de ser. O que realmente desejo escrever aqui é sobre o meu cotidiano, os atritos, as trocas, perdas e ganhos. Se para um ser humano qualquer já é difícil enfrentar atritos, dificuldades ou perdas, como seria isso para um bipolar? Devo dizer que para isso conto com a ajuda de uma amiga que banca minha terapia, um monte de comprimidos consumidos ao longo do dia e minha força de vontade. Minha família pouco participa. Para falar a verdade sou lembrado como bipolar apenas quando precisam de argumentos para me desclassificar. Ironicamente trabalho num instituto de psiquiatria como enfermeiro voluntário. Sempre encontro pessoas com a mesma patologia que eu. Algumas eu cheguei a ajudar nas internações, outras conversei dando suporte terapêutico. É estranho quando vemos a coisa por outro ângulo. Pessoas em situações e comportamentos a beira da psicose. Situações que eu vivi um dia. Personalidades depressivas, desesperadas, chorosas, sem esperanças, sensuais, confrontantes, prepotentes, arrogantes ou com idéias de grandeza. Nada mais do que sintomas da mania e da euforia. O Ying e o Yang da Bipolaridade. Sempre aparece algum santo que por não viver esta realidade ou ter um filho ou esposa comprometida culpa a própria pessoa pela genética que carrega. Diz ser falta de Deus, falta do que fazer, falta de... Aos ignorantes e alienados de plantão, peço que prestem serviço comunitário ou pelo menos visitem um hospital ou abrigo psiquiátrico, para que possam conhecer o que é esquizofrenia, bipolaridade, pessoas que sofrem de transtornos alimentares, demências e tantos outros demônios que podem aterrorizar a psique humana. Garanto que nunca mais serão os mesmos.


Cotidiano

Final de ano e todos aqueles sentimentos mistos. Falta grana, carro, mulheres e os poucos amigos estão cada vez mais distantes. Aos 33 anos assisto meus amigos fazerem o que eu fiz aos 24. Tornam-se pais, casam, noivam ou vão morar com alguém. Comecei cedo e hoje depois de me separar vou curtindo a vida de solteiro a uns 7 anos. Tudo estaria bem se houvesse em minhas mãos o que preciso. Terminei a faculdade no meio do ano e agora me submeto ao trabalho como enfermeiro voluntário sem ganhar um puto. Antes? Eu também não tinha muito, mas dava aulas em academias cheias de garotas, alunos bacanas e um pouco de popularidade. Sempre aparecia alguém dando bola para o professor sem carro ou grana, mas que era bonitinho e engraçado. Resolvi jogar tudo para cima e ficar com a enfermagem. Minhas escolhas e minhas opções? Não, na verdade não foram minhas escolhas. Um dia eu conto como vim para aqui. Hoje só quero dar um parâmetro de onde estou. A minha filha de 10 anos nascida durante o meu casamento nunca disse a palavra “Pai”. Minha ex-sogra disse que isso é conseqüência da raiva e das idéias que minha excelentíssima ex-mulher. O hospital do qual sou voluntário andou realizando alguns processos para admissão de novos funcionários. Estando eu sem trabalho e ferrado da vida, resolvi ir cheio de esperança e vontade. As vagas? Já estavam reservadas para puxa sacos, amigos e bajuladores. Isso não era novidade dentro do instituto, mas só me avisaram em cima da hora. Funcionários antigos já haviam passado por isso. Ainda tirei uma onda com três colegas dizendo que eu havia certeza que Beltrana, Fulana e Cicrana seriam as escolhidas devido ao estado em que elas ficavam todas as vezes que determinados chefes tomavam banho e lavavam o saco. Quase se afogavam... Na verdade percebi pela intimidade que havia entre eles. Todos comentavam, eu não era o único. Rolou o que havia para rolar... Quem não era do bolinho preferido dos chefes de enfermagem ficou chupando o dedo e esperando. Sim, esperando o dia em que todo mal será extinto da face da terra. O dia em que as nuvens negras do céu serão varridas pela luz da paz, e esperança, e finalmente o Superhomem aparecerá defendendo os fracos e oprimidos. Vai esperando... Aqui é Brasil. Deixa uma caixinha na entrada que fica tudo bem... Depois escrevo mais...

Minha musiquinha em homenagem ao jeitinho brasileiro de “sermos”.

Eu cantava isso com quinze anos, algumas coisas não mudam...

Até Quando Esperar

Plebe Rude

Não é nossa culpa
Nascemos já com uma bênção
Mas isso não é desculpa
Pela má distribuição

Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua
fração

Até quando esperar

E cadê a esmola que nós damos
Sem perceber que aquele abençoado
Poderia ter sido você
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração

Até quando esperar a plebe ajoelhar
Esperando a ajuda de Deus
Até quando esperar a plebe ajoelhar
Esperando a ajuda de Deus

Posso
Vigiar teu carro
Te pedir trocados
Engraxar seus sapatos
Posso
Vigiar teu carro
Te pedir trocados
Engraxar seus sapatos

Sei
Não é nossa culpa
Nascemos já com uma bênção
Mas isso não é desculpa
Pela má distribuição
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração
Até quando esperar
A plebe
ajoelhar
Até quando esperar
A plebe ajoelhar
Esperando a ajuda do divino Deus