domingo, 1 de fevereiro de 2009

Minhas Verdades, minhas...

Depois de algum tempo escrevendo da forma mais correta possível, sobre como um bipolar e um portador de transtorno de déficit de atenção deveriam agir diante das suas angústias e dúvidas, eu resolvi abrir um pouco o jogo e deixar os manuais e panfletos de orientação sobre estes temas de lado. Não sou médico, sou paciente, sou alguém que sofre na pele o que os panfletos meramente conseguem descrever. Um foda-se bem grande para tudo! A vida é muito curta e algumas vezes as minhas agonias e sentimentos de solidão parecem ser infinitamente maiores do que os breves momentos de felicidade e alegria. Escreverei sobre meus rituais do dia a dia, para continuar vivendo ao lado das mais variadas pessoas e exposto a situações que muitas vezes testam minha capacidade de adaptação. Sem rodeios, não sou escritor, psicólogo ou algo parecido. Sou o cara que muitas vezes não brilha, ou chama a atenção ao entrar em algum lugar, mas que guarda dentro de si uma verdadeira batalha todos os dias. Solitário em seus sentimentos e angústias. Não tenho uma ferida exposta para exibição pública ou qualquer chaga que demonstre o tamanho do meu problema. Quem sabe se eu tivesse...

         Minha Rotina. Todos os dias do ano.

1 – MEDICAMENTOS - Engolir todos os medicamentos. Não importa a quantidade, o formato, ou os desconfortos que isso podem causar. Náuseas, gastrite, dor de cabeça, constipação, ânsias, aumento de peso, etc. Faço uso de três tipos diferentes de medicamentos divididos em 08 comprimidos. Quando preciso ficar fora de casa o dia todo carrego em minha mochila, ou no bolso de minha calça um estojo. Melhor do que isso é carregar uma farmácia todas as vezes que vou viajar. Ao lado de tantas pessoas que não sabem ou não podem saber que necessito destes remédios, a coisa fica mais interessante. Ainda existe a preocupação com horários, e o medo que eles acabem antes da próxima consulta. Tento sempre que possível conseguir uma ou duas caixas extras, para supostas emergências. Remédios não significam paz e harmonia constante. Posso dizer que estou a salvo das grandes crises e pensamentos suicidas, mas ainda há angústias e uma boa dose de sofrimento. Festinhas e comemorações regadas a álcool nunca mais. Não sou de ferro e sempre bebo ao lado dos meus amigos, dentro de um limite que estabeleci. Pelos conselhos do meu médico eu beberia bem menos ou não beberia. Sou um ser humano e não sou um computador programável. Quando estou fazendo terapia algumas vezes costumo esculhambar dizendo: “Enquanto houver vinho, haverá esperanças”!

2- RELAÇÕES INTERPESSOAIS - Seja um ator, um vendedor de planos de saúde, ou algo parecido. Sorria, acene, comporte-se o mais sociável possível.  Quantas vezes eu acordei com vontade de simplesmente gritar “foda-se todos”, e permanecer na cama, esganar alguém a caminho do metrô ou ainda pegar uma grana e fugir para alguma praia pouco conhecida, ou para o interior de São Paulo. Tive um primo bipolar que fez isso. Recebeu uma grana de onde trabalhava e sumiu. Família inteira preocupada enquanto ele dormia num hotel em Ribeirão Preto, e fazia turismo pela cidade. Morro de inveja dele, mas eu não deixaria meus pais na angústia. Eu atenderia meu celular (risos). Às vezes mesmo com medicamentos e terapia a vida parece muito difícil. Ninguém quer saber o que você sente ou o que carrega dentro de si. Mesmo trabalhando no meio de profissionais treinados e contratados para cuidarem de esquizofrênicos, bipolares, usuários de drogas, pessoas com transtornos de ansiedade, e os mais diversos tipos de patologias, eu ainda ouço comentários e críticas maldosas. O mais vexatório é quando um enfermeiro, um auxiliar ou qualquer outro profissional acaba revelando algum transtorno. Por mais simples que seja acaba sendo o alvo perfeito. Por estas e outras me tornei um monge que coloca a máscara do cinismo para interpretar o meu papel. Quando “o bicho está pegando”, procuro chegar mais cedo ao trabalho. Dou uma volta nos arredores, bebo um refrigerante assistindo televisão numa lanchonete próxima (mesmo que seja 6h da manhã), medito e me condiciono. Se não consigo sorrir para todos, ao menos tento manter a seriedade ou a serenidade. Depois de algum tempo e com toda a carga de medicação que eu tomo, penso em concorrer a um Oscar. Estou ficando bom nisso. Talvez o dia melhore ou continue no mesmo ritmo. Não sei. Quem sabe? Ninguém se importa.

3 – FAMILIA - Idem ao item 2. Parece maldade de minha parte, mas aprendi a não esperar nada a mais dos meus pais e irmãos do que um teto para morar, comida e convívio (pacifico ou não). Vou resumir a situação para não virar um texto cansativo e interminável. Meus pais não possuem empatia, sensibilidade ou conhecimento para perceberem “quando estou em guerra com meus demônios”. De forma alguma estou chamando-os de “omissos”. Percebi através do convício com outros pacientes que freqüentam o hospital que mesmo aqueles que vieram de “berço de ouro” ou de famílias cultas e intelectualizadas, acabam por sofrer da mesma forma que eu. O caos só fica evidente para a família depois que a “casa caiu”, e o encontro com um psiquiatra torna-se extremante necessário.  Já tentei conversar com eles sobre isso, a minha terapeuta já esteve reunida para tratar do assunto, mas... Quando não consigo me conter e brigo com eles por coisas tão banais e fúteis que serviriam para alerta-los sobre a o tamanho da angústia que sinto, acabo por ser taxado como “ignorante”, “ingrato”, “estúpido”, etc, etc, etc. Dos meus irmãos só posso esperar pedidos de empréstimo de sapatos, peças de roupa, etc. Ironicamente mesmo depois de muitas crises diante deles, foram pessoas de fora da minha família que tentaram me ajudar. Na verdade cada caso é um caso. Falo por mim, mas posso mudar de idéia. Todos podem aprender algo de novo e talvez eu não saiba me expressar de forma adequada. É um jogo complicado, quem esta afetado acredita que precisa ser “visto”, “ouvido” ou “socorrido” de imediato. Quem observa, nem sempre consegue perceber tais coisas. Sou grato apesar de tudo, não existe perfeição em tudo. Quem sabe meus sentimentos não esteja me traindo? 

4 – AMIGOS – Para participar de festas, para beber cerveja, para passear por ai, para que eu ouça seus problemas, para ajuda-los a confirmar mentiras com namoradas e noivas, para que eu dê conselhos e assistência. São amigos? Posso me tornar amigo de muitas pessoas, mas poucos são verdadeiramente meus amigos. Vou contar uma piada. Tenho um “amigo” que se gaba pelo fato de nós termos nos conhecido no primeiro grau e até hoje mantermos contato. São mais de vinte anos de “amizade”. È enfermeiro pós-graduado em psiquiatria e trabalha num centro de recuperação de pacientes psiquiátricos. Ele nunca conversou comigo sobre meus problemas, como estão meus sentimentos, se tomo minhas medicações e qual efeito elas proporcionam. Tudo aquilo que é o básico de assistência em enfermagem o cara nunca prestou. Ironicamente é o cara que mais em chama para beber cerveja. Mesmo sabendo que eu não posso abusar do álcool (risos). Em contra partida, vivo ouvindo suas lamurias sobre o relacionamento com a sua mãe e a noiva. SEGUIR O ITEM 2. Mas ainda sobra alguém que especialmente me ajuda e apóia. Uma amiga que até aqui foi responsável por auxiliar na minha sanidade mental e quem sabe até mesmo por eu estar aqui. Tento poupa-la sempre que possível. SEGUIR O ITEM 2. Por que? Acredito que ela já faz muito por mim e desta forma não desejo tornar-me uma má companhia. Vou deixar minha necessidade de ser ouvido para minha terapeuta. Foi por esta pessoa especial que consegui pagar e fazer terapia. Quando estou com ela só desejo rir, brincar e me divertir um pouco. Nós também trocamos palavras sérias. Conversamos sobre tudo. Ela não cobra nada de mim. Finalmente alguém! Minha única amizade verdadeira.

5 – RELACIONAMENTOS AMOROSOS – Não desejo colocar-me numa situação de vítima ou algoz dos relacionamentos que construí até aqui. Houve perdas, ganhos e barganhas. Se os desastres foram mais marcantes e memoráveis do que os bons momentos, prefiro investir na minha carreira profissional e na resolução de alguns problemas antigos. Às vezes sinto falta de alguém, falta de sexo e sei o veneno que isso se torna para mim. Compulsão sexual, obsessão, brigas memoráveis, etc. Assumo meus erros, mas reconheço também que existem muitas pessoas ao meu redor que não possuem nenhum transtorno afetivo, e vivem de relacionamentos, em relacionamentos sem sucesso algum. Camaradas que já estão no segundo casamento mesmo possuindo pouca idade, outros unidos apenas pelos deveres familiares, etc. Cada um tem uma história para contar. Talvez eu apenas viva os meus de forma um pouco mais intensa. REGRA: Tornar-se um bom profissional e depois seguir a lista de prioridades. Namoro deve estar ser o vigésimo item.

6 – TERAPIA – Não faço parte do grupo que ridiculariza a psicanálise, os diversos ramos da psicologia, e todas as terapias que atualmente estão presentes dentro das clinicas e hospitais que são dirigidos de forma séria e responsável. Sei que existem algumas formas de terapia extremamente extravagantes, e alguns terapeutas que acabam por desejar assumir um papel de Guru na vida de seus pacientes. Não são a estes que me refiro por competentes e responsáveis. No início eu encontrei alguns terapeutas que estavam no começo de suas carreiras, eu não me senti muito seguro com estes. Sou o cara que só vai a um médico quando o problema está realmente grave. Imagine então em quais condições eu fui buscar ajuda psicanalítica. Depois de algum tempo acabei conhecendo uma profissional que realmente soube conduzir o meu caso. Psicanálise, Freud, id, ego, super ego, etc, etc. Teorias que eu já havia estudado na faculdade eram aplicadas em mim. O meu primeiro ano de terapia eu poderia classificar como uma forma de “Pronto Socorro”, os dois anos seguintes como uma U.T. I (Unidade de Terapia Intensiva), o quarto e o quinto ano na forma de Fisioterapia e Reabilitação. Atualmente no sexto ano eu acredito que muita coisa mudou dentro de mim. Não sinto mais a necessidade que havia antes, e algumas vezes eu consigo até mesmo anteceder aquilo que eu poderia ouvir no meu processo analítico. Não apenas isso, mas também os erros e manias da minha terapeuta. Somos todos seres humanos e sabemos que isso é inevitável. Mas eu não fiquei parado esperando o mundo rodar. Por estar num centro de referencia em psiquiatria, entrei em contato com muito material de conteúdo psiquiátrico e analítico. Tive até mesmo que estudar sobre a perspectiva de um cuidador, sobre a minha doença, os medicamentos usados, os efeitos colaterais, a forma de abordar um paciente em crise, ausculta terapêutica, etc. Tudo isso me fez crescer. NÃO DEI O GRITO DE IDEPENDENCIA, mas eu gostaria de ser atendido no máximo uma vez a cada 20 dias. Com um intervalo menor, caso acontecesse alguma emergência. Tomo os meus remédios religiosamente, e parei de procurar encrencas. Já aceitei o mundo em volta de mim, e  tendo a certeza de que certas coisas são inevitáveis, assim como a forma de algumas pessoas agirem. Outra coisa que me faz desejar um intervalo cada vez maior com a minha terapeuta é o preço cobrado pelas sessões. Eu ganhei as consultas através de uma pessoa que gosta muito de mim. Eu JAMAIS, teria grana para pagar tudo o que já foi gasto até aqui. Talvez o mesmo valor de um carro novo, uma segunda faculdade, a entrada de um apartamento num bairro simples. Sei que cada profissional tem o seu preço, que os bons profissionais custam caro (será?), etc, etc. De forma mais sucinta, eu prefiro dizer que ganhei algo muito importante, no entanto,  acho injusto o preço que isso custou. Eu não era um filhinho de papai desejando saber respostas sobre coisas superficiais. Não, ao contrário, era alguém que desejava por fim a sua própria vida, que havia se automutilado, etc, etc. Nas vezes que eu tentei desistir devido aos custos. não houve por parte da minha terapeuta, uma única iniciativa em indicar algum lugar onde em que eu pudesse fazer o meu tratamento de forma mais barata. Não, não é justo. Houve meses em que minha amiga pagava mensalmente muito mais do que eu ganhava dando aulas em academias.

Para aqueles que necessitarem de tratamento e não puderem pagar, não comatam o mesmo erro que eu cometi. Procurem clinicas escolas, tratamento junto a ONG´S, profissionais que tenham um compromisso não só com seus próprios bolsos, a ABRATA – Associação Brasileira de Apoio a Familiares e Pacientes com Transtornos Afetivos, entidades governamentais em geral. Em algum lugar alguém poderá ouvi-lo.

Perseverança!

DIAS DE PAZ, DIAS DE LUTAS



Em breve acabará o meu contrato como voluntário do Instituto de Psiquiatria. Se tudo der certo, completarei os meus seis meses em breve. Dentro deste período, fiz tudo o que estava ao meu alcance para tentar permanecer como contratado, mas infelizmente as dificuldades impediram que os meus planos se concretizassem. Para cada três vagas abertas, ao menos duas estavam direcionados a pupilos de diretores, chefes, puxa sacos de influencia, ou até mesmo para aqueles que foram formados pela própria instituição. Não tenho talento para tornar-me puxa-saco. Isto vem de pai para filho. Trato a todos com o mesmo respeito, e em algumas vezes me identifico muito mais com aqueles que ocupam cargos mais humildes, pois são estes que estão em contato direto com o povão e que freqüentemente dão um “jeitinho” (o bom jeitinho) para que pacientes sofram menos nas filas de espera, ou consigam resolver os seus problemas da melhor maneira possível. Sim, atendemos ao SUS, a convênio, e particulares. Algumas vezes parece que o CAOS tenta se instalar. Pelo pouco tempo que permaneci, vi muitas coisas erradas serem feitas. Ações que são contrárias aos manuais éticos e organizacionais. Algumas em nome dos poderosos que dirigiam o sistema, e outras vezes para consertar erros que poderiam comprometer a chefia, ou a direção. Tudo o que aprendi foi na “raça”, e na “coragem”. Poucas pessoas chegaram perto de mim para oferecer algum treinamento. Por iniciativa própria eu comprei livros, pesquisei na biblioteca, anotava todas as patologias, fármacos, terminologias desconhecidas, e tudo o que poderia ser útil ou cobrado de mim. Fui atrás de informação sem contar com grandes ajudas. Perguntei sobre minhas dúvidas a médicos, que eu nem mesmo conhecia direito, a enfermeiros que permaneciam ao meu lado sem nunca abrir a boca para discutir sobre o caso de algum paciente. Nada veio até a mim. Algumas vezes fiz internações, fiquei responsável por pacientes contidos em leito e até mesmo tomei conta de enfermarias com pacientes agressivos na ausência do chefe. O QUE ACONTECERIA CASO... Algum paciente se machucasse?  Tentasse automutilação?  Ficasse psicótico? Até mesmo o protocolo do Conselho Regional de Enfermagem sobre a contenção física de pacientes eu tive que correr atrás. NINGUÉM DISSE O QUE PODERIA, OU NÃO SER FEITO... NÃO HOUVE TREINAMENTO EM PORRA NENHUMA. Pacientes suicidas, alguns com cicatrizes pelo corpo por automutilação. O manual do instituto eu praticamente “peguei emprestado”, sem autorização prévia para anotar o que eu considerava mais importante. Sou voluntário, não sou um contratado formal e remunerado. Nunca fomos convidados a participar de algum curso, ou palestra que realmente fosse útil para nós. Somos consideramos mão de obra com todas as responsabilidades vigentes. Mesmo assim, comida, condução, e qualquer outra despesa ficam por nossa conta. O tempo está acabando, começo a olhar para o mundo ao meu redor. Foi um grande sacrifício terminar a faculdade. Faltando três semestres, eu não agüentava mais minhas colegas de classe banalizando o papel do enfermeiro, criticando as ações que deveríamos tomar em nossos novos postos de trabalho, etc. Ao mesmo tempo, eu via uma classe cheia de pessoas fúteis que criticavam as aulas de psicologia, sociologia, antropologia ou qualquer coisa que fizesse com que nós desenvolvêssemos uma opinião própria sobre a sociedade, nós mesmos, e o mundo. Pessoas preocupadas com os próximos capítulos da novela das oito, o “Big Brother Brasil”, e coisas tão fúteis quantos estas. Meu professor de antropologia dizia de uma forma discreta que os alunos do curso de enfermagem só estavam preocupados em aprender a dar injeção na bunda de paciente. Chegou a lamentar-se quando encontrou uma aluna um pouco mais intelectualizada optando por este curso. Eu imaginava se o mesmo acontecia nas classes de jornalismo, direito, antropologia, etc. Como seriam as turmas, como seriam os perfis dos alunos que procuravam por estes tipos de curso. Mais esclarecidos? Mais politizados? Imaginei que dentro da faculdade eu encontraria pessoas menos alienadas, e um pouco mais conscientes com a sociedade. Engoli a seco tudo aquilo e segui em frente. Não havia grana para começar tudo de novo. Terminei a faculdade, fiz o trabalho de conclusão de curso carregando duas parasitas que não ajudaram em nada. Terminei finalmente o trabalho de conclusão de curso. A oportunidade de entrar num Instituto de Psiquiatria me deu novas esperanças. Psicologia, e enfermagem psiquiátrica sempre me chamaram muito a atenção durante a minha graduação. Além de todo autoconhecimento que isso permitiria. Ainda estou lutando. Há outros hospitais psiquiátricos e sinceramente é onde eu desejo estar. Estou procurando meu caminho.