segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Retorno

A rua que percorríamos cruzava umas das principais avenidas de São Paulo, famosa tanto pelas suas instituições financeiras, quanto pelo seu simbolismo histórico. De dentro do carro, apreciávamos a paisagem urbana. Boates, bares, clubes de musica eletrônica, e algumas prostitutas que se esforçavam para se destacarem da “fauna exótica”. Na verdade, não era difícil confundi-las com as garotas que transitavam pelas calçadas entrando e saindo dos bares e clubes alternativos. Algumas com maquiagem pesada, piercings, mini-saias, meia arrastão, estilo hardcore, ou “punk moderninho”, outras patricinhas, misturadas com universitárias, público gls, sem preconceitos, ou perseguições. Estávamos num lugar onde quase tudo era permitido. Eu decidi que começaria da forma mais “tradicional” possível o meu retorno a superfície. Depois de ter passado tanto tempo no fundo do poço, brindaria a vida, e andaria por lugares que jamais havia freqüentado em outros momentos de minha vida, buscando sentir novamente a vida pulsando dentro de mim. Preferia a liberdade com alguns vícios, ao regime moderado que eu levava com seus altos e baixos. Se uma coisa não estava dando certo, outra deveria substitui-la. Aquela era a minha filosofia errada e cheia de excessos, mas minha cabeça não conseguia pensar de outra forma naquele momento. Encostamos o carro num estacionamento e procurei deixar de lado todas as literaturas que eu havia observado sobre “depressão”, “mania”, “hipomania”, etc. Mantive este ritmo por três noites consecutivas. Torrei uma parte do meu fundo de garantia conhecendo bares, fumando charutos, apreciando bebidas que eu julgava “fortes” demais para o meu paladar como absinto, whisky, cervejas dos mais diversos teores alcoólicos. Tudo o que costumava estar fora da minha lista tornou-se “apreciável”. Aos poucos minha amiga tomou o papel de salvadora da pátria, mesmo que lá no fundo suas intenções fossem tentar ficar comigo novamente. Eu seria eternamente grato por ela sair do seu próprio mundo para mergulhar nesta busca que eu havia começado. Após três dias num ritmo totalmente desenfreado, retornei novamente a monotonia da semana, desta vez buscando ajuda profissional que tanto precisava. Marquei uma consulta emergencial com uma terapeuta e um psiquiatra. A semana se arrastava lentamente, eu me perturbava com a possibilidade de voltar a deprimir-me. Com a aproximação do final de semana meus ânimos voltavam a vida, imaginava o que eu faria desta vez, por onde passaria a madrugada. Eu sabia que desejava novamente repetir as orgias de sensações causadas pelas bebidas e os ambientes que eu estava freqüentando. Quando iniciou definitivamente minha terapia, passei pouco a pouco, a voltar ás velhas regras. Eu sentia falta da bebida, dos charutos e do ambiente exótico, mas sabia que aquilo poderia transformar-se num problema para mim. No hospital eu havia conhecido bipolares que buscavam nas drogas uma fuga, ou alivio, para suas depressões. O álcool começava a tomar parte de mim, o mesmo acontecia com o fumo, as noites mal dormidas, a alimentação que eu substituía por porções que eram oferecidas nestes lugares, etc. A dor já estava controlada, os remédios começando a fazer efeito, era o momento de parar. De olhar para toda esta “passagem” e perceber os ganhos e perdas. Não serei cínico em dizer que não gostei de minhas experiências, na verdade eu gostei tanto que poderia fazer isso todos os finais de semana. É justamente ai que estava o perigo. Ainda pretendo fumar um charuto em algum evento especial, comemorar o aniversario de alguém bebendo um pouco, passar uma noite em claro ao lado de pessoas que considero. Mas longe de tornar-se substituto dos remédios que faço uso, da minha terapia, ou do caminho que preciso trilhar. Cai, mas me levantei. Não sou dono da verdade, meu tratamento estava incorreto, ou precisava no mínimo de uma “revisão”. Tome cuidado com os médicos que não ouvem nossos depoimentos, ou julgam-se donos de todo conhecimento. A minha guardiã e amiga acabou acreditando que poderíamos ter um relacionamento que fosse além da amizade, vi nisso um grande problema. Sou eternamente grato por tudo, mas quero apenas a sua amizade, seu afeto e empatia. Já tivemos uma história que não deu certo. Hoje ela se encontra fazendo terapia, tomando antidepressivos e tudo isso foi antes do meu retorno. Estou voltando, retornando a assumir as minhas atividades. Sou grato e sinceramente respeito seus sentimentos, mas não quero ter algum tipo de divida emocional ou iludi-la. Cresci muito com tudo isso, aprendi um pouco mais para ajudar a minha vida e buscar recursos para o meu equilíbrio. Estou sobrevivendo.