quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Arquivo Morto

Antigo baú com destino certo: Porto de Santos - Brasil
Ele está chegando, 2011 está chegando... Começam as expectativas e planos para o próximo ano. Pode parecer um pouco cedo para algumas pessoas, para outras o que mais interessa sãos as festas de final de ano. Eu me baseio pelas minhas próprias experiências, neste caso eu preciso de agenda, planilha, postite e lembrete no celular. Mesmo assim corro o risco de perder algum detalhe importante entre as minhas labilidades de humor. O bolso do meu jaleco é repleto de papéizinhos com anotações referentes ao meu plantão, na minha mochila registros sobre livros, cursos, projetos e treinos que desejo fazer. No armário do meu quarto mais anotações processadas de diversas formas. Muitos vão para o lixo, no entanto, outros vão ficando e aos poucos se multiplicando. Vestígios de viagens, pessoas, lugares, situações, lembranças impressas e registradas das mais diversas formas. Alguns que deveriam ser considerados como insignificantes vão tornando-se importantes. Meu avô que fugiu da segunda guerra mundial da Itália buscado refugio no Brasil, manteve desde a sua chegada a este país até o seu falecimento um baú em seu quarto. A chave do cadeado estava sempre em sua cintura, não permitia que ninguém tivesse acesso ao seu tesouro. Quando faleceu finalmente, abriram o velho caixote de madeira e metal. Dentro haviam moedas e cédulas trazidas de sua terra natal, um sapatinho de uma filha que havia morrido quando ainda era criança, roupas de formatura de algumas de minhas tias, documentos, certidões de nascimento, coisas das mais diversas. Se fosse deixado apenas o que realmente era necessário a ser guardado, talvez apenas um décimo de que estivesse ali permaneceria. Sou geneticamente complicado. Está no sangue, mas ainda não estou guardando toneladas de lixo dentro do meu quintal como os obsessivos compulsivos. Ainda não! Deixem meu pequeno desvio de comportamento em paz.. Tenho outras coisas mais importantes para me preocupar.

Na minha sincera opinião esta necessidade de documentar o passado, guardar vestígios e lembranças, nada mais é do à dificuldade de se desprender do que já se foi. Silenciem os psicanalistas de plantão. Que batam de frente com um muro opiniões contrárias. Hoje vou fazer uma faxina. Minha caixa de entrada do e-mail possui coisas recebidas desde 2005. Confesso ser um pequeno museu de situações, fases e principalmente pessoas que já se foram. Amigos, amigas, ex-alunos de academias em que eu dava aulas, namoradas, casos sérios ou casos complicadíssimos. Confesso sentir saudades de muitas pessoas. Sei que tudo tem um inicio, um meio e um fim. Mas sofro pela forma com expulsei a maioria delas de minha vida. Posso dizer que ao menos 80% devido a minhas fases de labilidade de humor divididas em depressão, mania, hipomania e homem das cavernas. Sim, extremamente ignorante e controlado pelos instintos. Estou nostálgico. Minha depressão de final de ano está pegando pra valer. Sozinho em casa, todos se foram para o litoral sul. Eu trabalharei amanha. Hoje roerei as saudades e quem sabe um copo de vinho me acompanhe. Saudade de quem também me ensinou a apreciar vinhos.

O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...
Mário Quintana

sábado, 25 de dezembro de 2010

Postagem de Natal

"Tudo que seja de algum modo capaz de incitar as idéias de dor e de perigo, isto é, tudo que seja de alguma maneira terrível ou relacionado ao terror, constitui uma fonte do sublime, isto é, produz a mais forte emoção de que o espiírito é capaz. Digo a mais forte emoção, porque estou convencido de que as idéias de dor são muito mais poderosas do que aquelas que provêm do prazer" 

Por Edmund Burke (1729 - 1797) investigador e professor de psicologia na Brown University, foi pioneiro no estudo da percepção das formas e da interação entre processos mentais e os pequenos movimentos inconscientes do corpo.



24/12 - 23h: Acabei de realizar a minha ceia, tomei meu comprimido para dormir e agora espero que o efeito venha trazer um pouco de paz para as minhas angústias. Todos saíram de casa para festejar. Reunidos ao redor da mesma mesa tios, tias, primos e alguns seletos convidados. Preferi ficar em casa e adormecer mais cedo. Natal me traz lembranças de uma época onde tudo era mais sincero, mais inocente, sem tantas pompas, mas com o calor que só algumas pessoas que já se foram desta vida conseguiam proporcionar. Pode ser apenas nostalgia, falta de serotonia, medicação inadequada. Quem sabe? Os outros natais não foram diferentes, portanto devo ter criado um padrão de comportamento para as festas de fim de ano. Às 19 horas de amanhã receberei plantão no hospital onde trabalho, o mesmo ritual se repetirá no primeiro dia do ano. Será um dia difícil, encontrarei pacientes enclausurados dentro de uma instituição psiquiátrica ao invés de estarem com seus familiares. Por mais que seja necessário não deixa de ser triste. Se o Natal não é bom para mim, não significa que eu ignore o quanto ele é importante para os demais. Estou na metade de uma garrafa de vinho lambrusco e confesso que o teclado começa a ficar pequeno demais para que eu o acerte corretamente. Vou persistindo. Péssimo exemplo para meus colegas bipolares. Misturar antidepressivo com bebida alcoólica, mas hoje é um dia especial. Por isso me perdoem. Perdoe também por eu ser demasiadamente humano. Acho que um bipolar sabe mais do que ninguém o quanto os sentimentos podem nos levar a deriva. Seria um belo tema para um livro, poemas, citações, pesquisas. Sentimento como bússola de nossas vidas. Nós bipolares. Li alguma coisa sobre Freud exemplificando que o “estado de mania” era uma espécie de embriagues, entorpecimento, euforia podendo ser comparada a sentimentos que muitas vezes almejamos em nossa busca pela felicidade. Embora irresponsável e compulsivo algo que de certa forma traz satisfação. Talvez esta não seja a melhor definição. Estou limitado pelo teclado minúsculo, o lambrusco encharcando meus neurônios e o sono se aproximando. Por falar nisso já é Natal!  Em algum lugar minha família está comemorando festivamente. Faz-me lembrar aquelas propagandas de final de ano. Família sorridente ao redor da mesa. Estou a salvo na minha caverna, no meu esconderijo, no meu abrigo. Limitado pela escrivaninha, o teclado do meu not book, a taça e a garrafa de vinho que se esvazia rapidamente. Saudades dos meus avós, da minha madrinha, do meu melhor amigo de infância que morreu num acidente de transito. Sinto saudades, algumas lágrimas rolam pelo meu rosto. Vou terminar este texto medíocre por aqui. Deitar na cama. Tentar encontra-los em meus sonhos. Quem sabe? Pode ser apenas a labilidade de humor. De qualquer forma Deus está sendo bonzinho comigo. Estou conseguindo me manter em pé e ajudar outros em situações piores do que eu. Pois no final das contas é uma luta solitária. Feliz Natal para todos nós! Somos guerreiros! Somos sobreviventes!

Feliz, feliz Natal, a que faz que nos lembremos das ilusões de nossa infância, recorde-lhe ao avô as alegrias de sua juventude, e lhe transporte ao viajante a sua chaminé e a seu doce lar!
Charles Dickens








domingo, 28 de novembro de 2010

Os dois lados da moeda...

Este é meu site, blog, refúgio, diário, espaço, entre outras denominações são as “idéias, pensamentos e relatos de um bipolar” divulgando informações, esclarecimentos, algumas vezes meros devaneios, angústias, etc.

Como profissional da área da saúde trabalho em uma instituição que oferece tratamento para pessoas acometidas de patologias psiquiátricas e dependência química, por outro lado, também sou portador de transtorno afetivo. “Jornada dupla” nas vinte e quatro horas do dia. Percebo através do que ouço de familiares e dos próprios pacientes, que muita coisa sobre transtornos psiquiátricos ainda se baseiam no “senso comum”, enriquecido pela ignorância, religiões alienadoras, informações sensacionalistas, entre outros. Algum esclarecimento tem chegado através da mídia, mas ainda há muito que se fazer. Estou tentando apagar um incêndio com um conta-gotas, ao menos faço minha parte.

Hoje excepcionalmente abrirei meu coração sem jaleco, crachá, postura de terapeuta, etc. Faz 18 horas que estou acordado. A adrenalina do plantão desta noite ainda não baixou mesmo com o medicamento para dormir. Hoje serei eu mesmo, desta vez vou escrever coisas feias sem me importar muito com o que os outros pensarão. Seguirei o texto sem censura.


Apesar de todo este controle profissional e a responsabilidade de manter-me assistido por um psiquiatra e algum tipo de terapia, que me dê sustentabilidade necessária para manter-me no controle de meus sentimentos e ações, o perigo ronda. Não é raro que eu presencie enfermeiros, psicólogos, médicos clínicos e psiquiátricos acometidos por crises como qualquer paciente comum. Sim, há cardiologistas que fumam, endocrinologistas obesos, psiquiatras loucos, psicólogos problemáticos, enfermeiros viciados, etc. Devo dizer que na crise “somos todos iguais” e não deixo de meditar até onde a ciência consegue ser plenamente efetiva para todos os casos, lógico que há inúmeros fatores associados. Ainda não inventaram comprimido para a ignorância, falta de consciência, arrogância ou tantos fatores que ajudam a boicotar um tratamento. Mas o que acontece quando mesmo medicado os altos e baixos prevalecem? Quando os efeitos colaterais dos medicamentos parecem tão graves quanto à própria doença? Quando não se tem o direito de assumir um transtorno desta magnitude por medo de perder o emprego, ou prejudicar relacionamentos? Quando não se tem o direito de declarar quem realmente é por medo de rótulos e julgamentos? Será que tudo que é dito como alterações são realmente traços da doença? Ou da própria personalidade que não é aceita por ser excêntrica ou diferente? Lembrando que homossexualismo já foi tido como transtorno em menos de um século atrás. Até onde alguém tem o direito de forçar uma pessoa a permanecer numa internação involuntária contra sua própria vontade? Até onde o paciente é realmente ouvido na hora de escolher os medicamentos para o seu próprio tratamento? Questões eu tenho aos montes, mas respostas...

Algumas vezes cheguei a pensar que ter uma família consciente sobre meu problema poderia ser algo privilegiado, uma ajuda a mais para enfrentar os ímpetos do transtorno afetivo. Mas isso está longe da minha realidade. A primeira vez que tomaram conhecimento sobre tal fato, foi a pedido de uma ex-terapeuta que solicitou a presença de meus pais devido à desinformação que apresentavam. Nesta época eu nem imaginava que um dia estaria do outro lado, fazendo parte de uma equipe multiprofissional cuidando de doentes mentais. No ano seguinte, eu perdi dois primos que cometeram suicídio por sofrerem do mesmo problema que eu. Isso serviu de reforço para perceberem que a coisa era realmente séria. Fica claro que alienação também mata. Faz muitas vitimas, não apenas na psiquiatria. Doenças sexualmente transmissíveis, coronarianas, direção irresponsável com abuso de álcool, etc. No caso em destaque, o sujeito entra numa crise e a família não tem capacidade para compreender.Os mais ignorantes acreditam que seja um mal estar passageiro, algo que se cura com trabalho, livro de auto-ajuda ou fanatismo religioso. Outros chegam até a socorrê-los, mas quando os sintomas diminuem, deixam o remédio de lado acreditando estarem curados para sempre. O pior acontece quando é o patriarca ou a matriarca da família. Todos sofrem e aguardam ansiosos pelo retorno. Família pode ser sinônimo de porto seguro ou a base de muitos males. “Pais doentes, filhos doentes”.

Minha família

Se no próprio Olimpo os deuses gregos demonstravam sentimentos humanos e imperfeitos como raiva, inveja, ganância e ciúmes, o que não dizer de uma casa onde cada qual vive a sua maneira em baixo do mesmo teto. Seria natural haver discordâncias e por vezes atritos, mas eu me sinto como se eu fosse visto como potencialmente irritadiço, deprimido, etc. A bipolaridade me colocou neste patamar, o de propenso problemático. Sendo assim, se estou alterado o rótulo impede a causa da minha inquietação seja vista como algo de origem comum. Quando estou nervoso ou descontente, provavelmente não deve ser pela discussão que tive com meu pai por diferenças de opinião, ou desentendimento com o meu chefe, ou ainda qualquer causa que levaria um mero mortal a ter a mesma reação. Uma vez rotulado, fica o selo por onde quer que as pessoas saibam que você é bipolar. Já começam a perguntar se está tomando corretamente os medicamentos, ou se eles estão próximos de acabar. Poucas vezes alguém estendeu a mão quando realmente é necessário. Acham que o comprimido é mágico resolvendo todos os problemas existentes ou potenciais. Já cheguei a dormir mais de 20 horas em fases depressivas sem que alguém percebesse o que havia comigo. Fiz terapia por mais de sete anos. Descobri muitas coisas, e devo dizer que não virei adubo ainda graças a isso. Criei alguns mecanismos que me alertam quando estou passando dos limites, no entanto...

Ter uma vida assim até quando? Arriscando sempre perder o emprego? Ser descoberto? Não encontrar graça naquela piada que faz todos rirem? Comprimidos e terapia para tentar ser o que qualquer idiota consegue ser? Se ao menos houvesse uma vantagem. Algum poder especial, mas não há. Cruz da minha vida. Já levou duas pessoas de minha família. E ainda há outros bipolares eclodindo. De repente você fica sabendo que um primo foi para num Pronto Socorro por overdose de medicamentos, ou um ônibus passou em cima da cabeça de outro. Um aqui, outro ali. Não parou nisso, já sei de outros dois que começam a fazer tratamento pelo mesmo problema. Família grande, genética, situação, falta de informação, etc. Algumas vezes tento intervir, é inevitável tentar ajudar. Mas santo de casa não faz milagres, meu depoimento fica no ar como algo não valorizado. Bem, que cada um encontre seu caminho. É uma questão de tempo para descobrirem que o problema não é passageiro, definitivamente chegou para ficar.

Dos relacionamentos

Na última gaveta da minha escrivaninha guardo uma caixa onde anteriormente havia um porta retrato de madeira com a foto de uma ex-namorada, hoje serve como abrigo de algumas lembranças do passado. Meia dúzia de fotos e três cds com arquivos de vídeos e imagens. O meu “arquivo morto” de lembranças, ressentimentos e nostalgia. Parte deste ressentimento já se foi, mas as lembranças ainda permanecem. São registros de colegas da faculdade, amigos, ex-alunos da época em que eu dava aulas em academias, relacionamentos, casos, namoros, envolvimentos que não deram certo. Das namoradas e pretendentes recordo-me de seus perfumes, desejos, fetiches, gemidos, risadas, o gosto de suas bocas, de seus corpos, seus planos para o futuro, suas declarações de amor, promessas, no entanto, da mesma forma que o dia antecede a noite, no final das contas só restou o amargor, as lágrimas, o ressentimentos, a raiva. Mulheres belas, gostosas, interessantes, emancipadas e donas de si. O que houve de errado? Tento não me responsabilizar por todas as separações. Minha vaidade precisa disso, minha consciência diz o contrário. Numa palestra dirigida a bipolares no Hospital das Clinicas de São Paulo, ouvi um renomado médico e especialista de transtornos afetivos mencionar que mais de 85% dos bipolares tem problemas conjugais. Foi um tanto irônico, pois ao mesmo tempo em que ele disse isso um casal que estava no recinto levantou-se e foi embora. Ao meu redor a vida segue. Coito, sexo, fecundação, nascimento, crescimento e morte. Abençoados pelas santas igrejas, ou apenas pela lei da natureza. Pessoas envelhecem umas ao lado das outras pagando contas, engordando, ficando feias, assistindo o Jornal Nacional e a Novela das Oito. Seus filhos repetem o mesmo ritual, de um jeito ou de outro. Este é o sonho brasileiro. “Crescei-vos e multiplicai-vos”. Sou o único com mais de trinta e quatro anos e solteiro ao meu redor. Entre todas as minhas vontades, o desejo de não fazer mais ninguém como refém. Carro em alta velocidade, soco no pára-brisa, gritos, cenas, acusações, jogos de ciúmes, chantagens e tramas das mais diversas. Levei ao limite do que poderia ser suportado num relacionamento, às vezes sem perceber que estava repetindo sempre o mesmo jogo mudando apenas a pessoa envolvida. Depois que tudo acaba e as lágrimas secam, olho para trás e percebo que tudo queimou até o fim. Não sobrou nem ao menos a possibilidade de “sermos amigos sem rancor”. Consciente ou inconscientemente crio mecanismos patológicos e aterradores. Sofro tanto quanto faço sofrer. Secretamente desejo o que não posso ter, e quando chego perto demais, um alarme soa no fundo do meu ego pedindo que eu me retire. Tenho certeza que hoje estas mulheres são felizes e realizadas, por tudo o que fizeram por mim e pela insistência em lutar por algo que realmente acreditavam. Com certeza são felizes, alguém soube dar a elas o que mereciam.


Para sempre – Kiss

Repetidas vezes eu olho em seus olhos
Você é tudo que eu desejo
Você me capturou
Eu quero abraçar você, eu quero ficar bem perto de você
Eu nunca quero partir
Eu queria que essa noite nunca acabasse
Eu preciso saber

Poderia eu te abraçar por toda a vida?
Poderia eu olhar dentro dos seus olhos?
Poderia eu ter essa noite pra compartilhar?
Poderia eu ter você perto de mim?
Poderia eu te abraçar por todo o tempo?
Poderia eu, poderia eu ter esse beijo para sempre?
Poderia eu, poderia eu ter esse beijo para sempre? para sempre?

Repetidas vezes eu sonhei com esta noite
Agora você está aqui comigo
Você está perto de mim
Eu quero te abraçar, te tocar e sentir seu gosto
E fazê-la querer somente eu
Eu gostaria que esse beijo nunca terminasse
Oh querido, por favor

Eu não preciso quero que nenhuma noite passe
Sem você ao meu lado
Eu só quero que todos os meus dias
Sejam gastos ao seu lado
Vivendo apenas para te amar
E querida, a propósito

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Bipolares famosos - Carta de suicídio de Kurt Cobain

No dia 08 de Abril de 1994, os jornais anunciam que fora encontrado o corpo, morto, de um dos maiores ídolos atuais do Rock: Kurt Cobain! As investigações mostram que ele suicidou com um tiro na cabeça (boca), na sua casa em Seattle no dia 05 de Abril, deixando para trás sua filha de apenas dois anos de idade, Frances Bean, e sua esposa, Courtney Love, vocalista do Hole. Cobain imortalizou-se deixando músicas maravilhosas, discos incríveis e uma bela carta para seus inconsoláveis fãs. Na verdade a carta está em nome de Bodah, o amigo imaginário de Cobain, desde sua infância.

Para Bodah, 
Falando na língua de um simplório experiente que obviamente preferia ser um maricas covarde, infantil resmungão. Esta nota deveria ser bem mais fácil de ser compreendida.
Todas as advertências do Punk Rock 101 Courses ao longo desses anos, esta é a minha primeira introdução ao que poderíamos chamar de ética envolvendo independência e com o engajamento de sua comunidade foram provadas como verdadeiras. Há muitos anos eu não venho sentindo excitação ao ouvir ou ao compor música, bem como ao ler ou escrever. Eu me sinto culpado de dizer estas coisas através dessas palavras. Por exemplo, quando estamos nos bastidores e as luzes se apagam e o ruído enlouquecido da multidão começa, isto não me afeta da maneira como afetava o Freddie Mercury, que costumava amar e se deliciar com o amor e admiração da platéia, o que eu admiro e invejo totalmente. O fato é que não posso enganar vocês, nenhum de vocês. Simplesmente não seria justo para vocês e para mim. O pior crime que eu poderia imaginar seria o de afastar as pessoas sendo falso, fingindo estar me divertindo 100%. Às vezes eu sinto que deveria acionar um despertador todas as vezes que subisse ao palco. Eu tenho tentado com todas as minhas forças gostar disso, e eu gosto, Deus acredite em mim, eu gosto, mas isso não é suficiente. Eu aprecio o fato de que nós comovemos e entretivemos muita gente. Eu devo ser um daqueles narcisistas que só gostam das coisas quando elas acabam.
Eu sou muito sensível, eu preciso estar ligeiramente entorpecido para recobrar o entusiasmo que eu tinha quando eu era criança. Nas nossas últimas três turnês, tive um reconhecimento por parte das pessoas que conheci pessoalmente e dos fãs da nossa música. Mas eu ainda não consigo superar a frustração, a culpa e a empatia que eu tenho por todos.
Há bondade em todos nós e eu simplesmente amo muito as pessoas. Amo tanto, que isto faz me sentir tão fudidamente triste. O triste, sensível, insatisfeito, pisciano, homem de Jesus.
Por que você simplesmente não relaxa e curte? Eu não sei!
Eu tenho uma esposa que é uma deusa e que transpira ambição e empatia, e uma filha que me lembra bastante o jeito que eu costumava ser, cheia de amor e alegria, beijando cada pessoa que ela encontra porque todo mundo é legal e não vai machucá-la. Isto me aterroriza ao ponto de eu mal conseguir funcionar. Eu não suporto pensar na Frances tornando-se uma pessoa infeliz, auto–destrutiva uma roqueira da morte, coisas que eu me tornei.
Eu tenho estado bem, muito bem, e eu sou muito agradecido por isso, mas desde os sete anos, eu me tornei odiável perante as pessoas em geral. Isso porque parece tão fácil para os outros se darem bem e ter empatia entre si. Só porque eu amo e sinto muito dó das pessoas, eu acho. Obrigado a todos, do fundo do meu estômago queimando em náuseas pelas cartas e demonstrações de preocupação durante os últimos anos. Eu sou mesmo uma pessoa muito neurótica e taciturna e eu não tenho mais aquela paixão, então, lembrem-se: é melhor queimar de uma vez do que ir queimando aos poucos. Paz, amor e empatia. Kurt Cobain.

Frances e Courtney, eu estarei em seu altar.

Por favor, continue, Courtney, pela Frances.

Para que a vida dela seja muito mais feliz sem mim. Eu mão vocês. Eu amo vocês.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Exorcismo

O termo exorcismo (do grego exorkismós, "ato de fazer jurar", pelo latim exorcismu) designa o ritual realizado por uma pessoa devidamente autorizada para expulsar espíritos malignos (ou demónios) de outra pessoa que se encontre num estado considerado de possessão demoníaca. Pode também designar o ato de expulsar demônios por intermédio de rezas e esconjuros (imprecações). Não se refere a casos de executado por uma demoniomania, isto é, de um estado mórbido mental em que o doente se julga possesso pelo Demônio, ou por dois ou mais demônios. Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


Não me refiro ao "exorcismo" de uma forma literal, só desejo cita-lo como referencial daquilo que preciso fazer com meus demônios internos. É difícil quebrar ciclos que se estabeleceram ao longo de uma vida, rituais que realizo inconscientemente e que destroem minhas possibilidades de crescimento, amadurecimento e aprendizado. Penso na energia que gasto em feitos que poderiam ser bem maiores, caso fossem planejados corretamente. É algo intrigante, pois no final das contas eu sempre planejo. Elaborações com começo, meio, fim, plano b e rota de fuga prevendo todos os imprevistos possíveis. O que acontece no final das contas que não consigo seguir o que foi planejado? A coisa tomou proporções que atualmente carrego no bolso papéis com as minhas prioridades, palavras chaves no pensamento, até uma pulseira juzu (com contas usadas por budistas para rezar) servindo como simbolismo para os meus desejos e necessidades de manter a rota - terapia cognitiva comportamental extrema (risos). Busco mudança de comportamentos nocivos, barreiras para rituais danosos.  Nesta minha atual fase estou me colocando num processo de escolhas. Claro que os altos e baixos da bipolaridade continuam firmes e fortes. Algumas vezes tenho a impressão que uma nova crise está chegando, em outras situações, as nuvens negras vão embora com a mesma velocidade em que chegaram. Tudo isso torna fácil  colocar meu navio a deriva. Neste mar de sentimentos mistos não é dificil se perder. No meio de todos estes devaneios colocados aqui em forma de palavras, talvez eu tenha percebido o motivo das minhas perdas de rota. Os tais sentimentos! Tão belos quando expressados por poetas e cantores, tão dificeis de serem controlados quando nos jogam de um extremo a outro. Acido valpróico, amitriptilina, força de vontade, academia e terapia (quando consigo ir).

Sobre o Juzu
 Não existem fontes seguras a respeito da época do surgimento do JUZU, nem um significado exato deste rosário budista. O que é sabido, empiricamente, é que se trata de um filamento com pequenas esferas unidas, nas pontas, com um total de até 108 contas. Existem outros rosários com números de contas reduzidas, variando entre 14 e 88 contas. Os países do sul da Ásia não têm o hábito de utilizá-lo, ao contrário dos países do norte (Japão, China Tibet, Coréia e Mongólia), cuja presença deste artigo religioso é essencial. Os praticantes do budismo de Nitiren Daishonin, utilizam o rosário com 108 contas. Entre seus significados, pode-se dizer que o JUZU representa o corpo humano. As três borlas do lado direito simbolizam a “cabeça” e os dois “braços”, e as duas borlas do lado esquerdo simbolizam as “pernas”. Tem-se por costume cruzá-lo durante as orações, e o ponto deste cruzamento simboliza o “umbigo”. Tradições orais afirmam que os números de contas simbolizam os principais ossos do corpo humano, e, ao mesmo tempo, simbolizam as causas de sofrimento. O budismo ensina que a vida possui quatro sofrimentos; o nascimento, a doença, o envelhecimento, e a morte. Além destes, também a dor da separação de quem se ama, o convívio com quem não se gosta, as frustrações por não realizar o que era pretendido; entre outras, totalizando 108 manifestações. E ao cruzar o rosário, cria-se o poder para transformar estes sofrimentos em iluminação. fonte: http://saintseiya.shirerpgs.com/index.php?showtopic=520

domingo, 3 de outubro de 2010

Simplificado

Seja bom, mas não espere recompensas. A cada esquina há um oportunista tentando levar vantagem em algo. Às vezes tenho a impressão de assistir a uma inversão cada vez maior de valores. Mas também não tenho saco para falar sobre isso hoje. Só estou aborrecido com alguns fatos

O mal que os homens praticam sobrevive a eles; o bem quase sempre é sepultado com eles.
William Shakespeare


A vida não flui como desejo, vou roendo o osso que consegui como se fosse a melhor coisa para mim. Trabalhei doze horas nesta madrugada, são quase 16 horas e ainda não consegui dormir. Meus olhos ardem, mas não o bastante para desejar fecha-los. Tenho a impressão que minha semana não possui sábados ou domingos de forma realmente proveitosa. Ainda sinto o peso de cada paciente que prestei assistência nesta madrugada como se fossem vampiros sugando meu sangue. Deprimidos, ansiosos, fissurados, delirantes, insones, etc. Contra transferência inevitável. Vou me corrigindo e não deixando que isso passe percebido. O salário é ridículo, a missão é árdua, o reconhecimento não vem, mas foi este o osso que tive que disputar com outros cães para poder chegar onde cheguei.

Tenho paciência e penso: todo o mal traz consigo algum bem.
Ludwig Beethoven


Traficantes enriquecem viciando a sociedade com substância que tem o poder de fazer com que alguns esquecem quem realmente são. Isso é algo realmente curioso. Já cuidei de filhinhos de papai que já estiveram em lugares que sempre sonhei, fizeram coisas realmente invejáveis, mas nada disso foi suficiente para satisfazê-los. Dai vai o cara aplicar, inalar, injetar ou "bota pra dentro" algo que o faça sentir-se mais. Se o homem nascesse com asas, tenho certeza que alguns as cortariam apenas para buscarem a sensação de serem diferentes. Se tudo isso fosse pela dor, talvez de um câncer perverso ou por ter nascido sem um membro importante de seu corpo. Quem sabe? Mas nestas condições. Sei que a coisa é mais complexa do que isso. Eu nem deveria estar escrevendo desta forma. Estudo o comportamento humano, blá, blá, blá. Mas foda-se. Este é o meu blog e aqui eu escrevo o que desejo. Não preciso defender tese acadêmica ou debater com especialistas.  Penso estar num balcão de bar conversando com velhos amigos. Mesmo que eles existam apenas na minha imaginação. Liberdade amigo! Coragem para ser controverso, errar, mudar, mutar. Até um vírus pode passar por um processo de mutação. Vai tornar-se uma coisa previsível ou programável?

Há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis.
Maquiavel


A temperatura cai. São 16h35min. Lá fora o dia esta cinza, frio e nada convidativo. Ouço um rock antigo do Aerosmith. Desejo uma caneca de café que só retardaria mais o meu sono. Maldito vício...rs Todo mundo precisa de um. Na verdade tenho vários alguns do qual não tenho a menor orgulho.

As grandes naturezas produzem grandes vícios, assim como grandes virtudes.
Platão

quinta-feira, 16 de setembro de 2010


“A mais bela e profunda emoção que se pode experimentar é a sensação do místico. Este é o semeador da verdadeira ciência. Aquele a quem seja estranha tal sensação, aquele que não mais possa devanear e ser empolgado pelo encantamento, não passa, em verdade, de um morto.

Saber que realmente existe aquilo que é impenetrável a nós, e que se manifesta como a mais alta das sabedorias e a mais radiosa das belezas, que as nossas faculdades embotadas só podem entender em suas formas mais primitivas, esse conhecimento, esse sentimento está no centro mesmo da verdadeira religiosidade.

A experiência cósmica religiosa é a mais forte e a mais nobre fonte de pesquisa científica.

Minha religião consiste em humilde admiração do espírito superior e ilimitado que se revela nos menores detalhes que podemos perceber em nossos espíritos frágeis e incertos. Essa convicção, profundamente emocional na presença de um poder racionalmente superior, que se revela no incompreensível universo, é a idéias que faço de Deus.  

ALBERT  EINSTEIN (1879-1955)


domingo, 5 de setembro de 2010

Sinceramente


Em breve trarei algumas mudanças para o conteúdo e a apresentação deste blog. Na verdade não há muito que debater sobre a bipolaridade. Podemos falar do aspecto etiológico, tratamentos farmacológicos, terapêuticos, instituições ligada aos transtornos afetivos, filmes, publicações literárias, etc. Parece muito, mas não é. O resto fica sobre as minhas experiências não apenas como portador do transtorno, mas também profissional da área da saúde atuando dentro de uma instituição psiquiátrica atendendo bipolares, esquizofrênicos, transtornos de personalidades, dependentes químicos, depressivos, etc. Seria cômico, se não fosse tão serio, ouvir um paciente durante uma internação relatar sentimentos e situações que eu mesmo já vivenciei em algumas de minhas crises. No meio de todo este processo ficam minhas conquistas, frustrações, experiências, perdas, ganhos e algumas vezes uma sensação de impotência diante de alguns casos. Considero-me um ser um tanto quanto anti-social. Em certos momentos prefiro estar atuando no meio dos meus pacientes, do que participando de reuniões com outros seres humanos ditos "conscientes". Admito minhas falhas e defeitos. Acho que ninguém tem o direito de rotular alguém como "louco", ou demonstrar preconceito diante do tema. Há mais desajustados soltos pela sociedade, do que dentro das instituições psiquiátricas. Pessoas que abusam de seu poder das mais diversas formas, para assediar moralmente, sexualmente, coagir e chantagear, outros tentam chegar aos seus objetivos a qualquer custo,  motoristas que dirigem embriagados, ou usam seus veículos como armas, marginais que aproveitam o anonimato que uma torcida organizada oferece para surrar outras pessoas, ou cometer atos de vandalismo, fanáticos religiosos, homofóbicos, etc. Os exemplos crescem a cada dia em forma e tamanho. Mas meu tema principal não é este. Dou passos pequenos e vacilantes, mas sou humilde em dizer que hoje estou deste lado. Amanhã quem sabe? Posso estar sentado numa cadeira na frente de um médico, psiquiatra, psicólogo ou enfermeiro prestes a ser internado devido a uma crise. Faço o que a ciência recomenda e aconselha para manter o equilíbrio. Tomo meus medicamentos, tento fazer terapia sempre que posso, mas... Isso também não impediu que outras pessoas chegassem até a mim destruídas, com os braços cheios de cicatrizes, ouvindo vozes, distantes da realidade, delirantes com idéias que as levavam ao desespero, alguns à morte. Fé em Deus! Estabilizante de humor, ansiolitico, terapia e fé me Deus.

domingo, 8 de agosto de 2010

Sinceramente....

Não sou um anjo de candura que estende a mão a todos que necessitam, dentro de mim há sentimentos que são despertos e do qual não me orgulho. Tenho um lado negro cheio de sentimentos negativos aprisionados, mas sou sincero em dizer isso. Aprendi por necessidade da profissão a ouvir sem julgar, ou ao menos não fazer comentários desnecessários, ou faze-los apenas quando existe a necessidade de uma intervenção. Mas se tudo fosse diferente e tal conversa tivesse como cenário um balcão de um bar, ou um banco de uma praça ao invés de um ambulatório psiquiátrico, eu teria o prazer de ao menos uma vez despejar algumas indagações e perguntas nada terapêuticas. Por que não? No cinismo da profissão há tantos maus exemplos vindo daqueles que deveriam ser icones para seus pacientes, só quem trabalha dentro de uma clinica ou um hospital percebe isso claramente. Mas não estou tentando justificar meus sentimentos. Nunca deixei que eles interferissem no meu trabalho, mas vamos lá... Fantasiemos um pouco. Estou sentado num banco de praça com um bipolar na sua quinta internação por má adesão ao tratamento. Por dizer que remédios o dopam, ou que Jesus Cristo esta guiando seu caminho, ou inúmeras desculpas que o afastam de um tratamento efetivo.
Vamos lá... Descasquemos o verbo:

J.P.R de 35 anos, internado por transtorno afetivo bipolar em fase maníaca, com episódios de heteroagressividade e agitação psicomotora. Quinta internação, terceira nesta mesma entidade.
Procedente do Pronto Socorro da Zona Norte para esta instituição acompanhado por familiares.
Os mesmos referem pouca adesão as inúmeras tentativas de tratamento oferecidas, abandono
dos medicamentos, crítica ausente sobre os sintomas e a patologia.

Você não percebe o que está fazendo?
Tem 35 anos e está na quinta internação pelo mesmo motivo.
Não tem consideração pelas pessoas ao seu redor?
Vive apenas para sí mesmo?
Sua filha de 14 anos fala chorando sobre você, e sua mulher nem coloca mais fé nas suas palavras...
Até onde você acha que vai a paciência de alguém?
Dopado? Cara! Você por acaso tem conseguido se controlar sem remédios?
Toda bebida que consome em suas farras não o dopam?
E o baseado que estava no seu bolso no momento da internação?
É incenso? Não o deixa longe da realidade?
A igreja que você vai te curou?
Só psicanálise tá resolvendo o seu problema?
Se você não fosse um filhinho de papai e tivesse que acordar ás 5 horas da manhã para pegar no batente acha que estaria nesta vida de experimentação? De crises em crises?
Compulsivo, dramático, achando que o mundo conspira contra você, enquanto torra a grana da família em bebedeiras, vagando pela noite com amigos que o fazem gastar sem olhar as conseqüências.
Quem você acha que deixou aquelas marcas nos braços da sua esposa?
Por que você não tenta fazer isso com um brutamonte?
Trabalha na empresa de contabilidade do papai, pode tirar licença quando deseja, mas e se fosse diferente?
Vire homem de verdade, assuma o que você tem e cuide-se.
Sua mulher logo vai te colocar um pé na bunda ou te botar um chifre.
Seu pai não vai viver para sempre.
Sua filha esta carente e desamparada e não vai demorar muito para se tornar um adulto inseguro e problemático.
Você tem acesso a médicos caros, internações particulares e a informação que não lhe falta.
Desculpe, mas não tenho dó de você.
Talvez se fosse um marinheiro de primeira viagem, sem informação, necessitando de orientação e todo interessado em retornar a rotina, quem sabe...
Mas já posso ver o seu destino.
Quinze dias de internação para estabilizar-se, volta para casa aparentemente bem, mas logo voltará a beber... Negar a necessidade de tratamento, etc.
Isso tudo até o dia que algo realmente importante acontecer na sua vida.
Quem sabe até lá sua esposa não esteja saindo com alguém que a trata como uma dama, sua filha fumando maconha, dizendo foda-se para o próprio futuro tendo o pai como exemplo.
Mas vou te tratar bem, fazer que sua estadia aqui seja o melhor possível.
Esta é a terceira vez que você passa por aqui.
Na primeira, e segunda vez, eu acreditava a você, mas agora...

Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal.
Oscar Wilde

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Algumas realidades e fantasias















Os 12 Mandamentos dos futuros Enfermeiros

1º Não terás vida pessoal, familiar ou sentimental;
2º Não terás feriados, fins de semana ou qualquer tipo de folga;
3º Terás gastrite, se tiver sorte; se for como os demais, terás úlceras;
4º A pressa será teu único amigo e as suas principais refeições serão os lanches, pizzas etc...;
5º Teus cabelos ficarão brancos antes do tempo, isso se sobrarem cabelos;
6º Tua sanidade mental será posta em cheque antes que complete 5 anos de trabalho;
7º Trabalho será seu assunto preferido, talvez o único;
8º A máquina de café será a sua melhor colega de trabalho;
9º Happy Hours serão excelentes oportunidades de ter algum tipo de contato com outras pessoas loucas como você;
10º Terás sonhos com pacientes e, não raro, resolverás problemas dos mesmos nesse período de sono;
11º Exibirás olheiras como troféus de guerra;
12º E, pior: inexplicavelmente, gostarás de tudo isso! ...
 
Esta realidade eu já vivo, vamos para outra.

ENFERMEIRA

NÃO TEM BARRIGA....FAZ LIPO
Não anda.......Deambula
Não fuxica.......faz anamnese
Não pensa......realiza raciocínio clínico investigativo
Não incha.....tem edema
Não se apega......estabelece vínculos
Não fica doente.......manifesta sinais/sintomas
Não fica de ressaca.....apresenta vasodilatação e desidrata por inibir ADH
Não pratica atividade física.......favorece retorno ósseo,oxigenação celular, remodelação óssea e resistência cardiovascular
Não conversa......estabelece comunicação verbal
Não fica gorda.......desenvolve obesidade por dislipdemia
Não briga.......diverge com fundamentação
Não beija.......compartilha microbiota normal da cavidade oral
Não impõe......exerce liderança
Não faz sexo......satisfaz necessidade humana básica
Não joga fora......despreza
Não usa camisinha......usa método contraceptivo de barreira
Não é saudável......mantém homeostasia corporal
Não trabalha junto.....trabalha em equipe
Não
trata.....cuida
Não gosta do que faz....ama!

domingo, 11 de julho de 2010

COPA

Acabou finalmente o carnaval futebolistico. Em breve estes mesmos países que se confraternizaram num ritual de "integração esportiva", voltaram a se alfinetarem uns contra os outros em seus interesses comerciais, economicos e políticos. Continuam as guerras civis, a miséria dos paises de terceiro mundo, a opressão dos mais fracos. Ainda me lembro do filme nacional "Bye Bye Brasil" de 1979, numa das cenas enquanto o Brasil jogava com toda a nação vidrada na copa de 70, um dos personagens principais era torturado nos porões do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - foi um órgão de inteligencia e repressão do governo brasileiro, inaugurado durante o período de golpe militar de 1964).

"Pensamentos e relatos de um bipolar". Preciso justificar o título deste blog. A rotina tá intensa, quase não consigo parar para escrever. Minha vida é um tanto simples, mas não sei administrar todo o meu tempo. Tenho evitado a luz do sol. Durmo durante o dia, trabalho nos plantões noturnos e quando tenho folga me sinto um tanto acabado. Veneno para quem necessita do sono como coadjuvante da estabilidade de humor, detalhe para quem precisa trabalhar e pagar as contas.

Vou deixar uma lista de alguns medicamentos e sua indicação terapêutica. ESSA DEMONSTRAÇÃO NÃO TEM INTERESSE TERAPÊUTICO. PROCURE UM MÉDICO CASO NECESSITE DE ALGUMA INTERVENÇÃO.

DEPRESSÃO NERVOSA  - NOME GENÉRICO E NOME COMERCIAL

Amitriptilina ADT-Zimaia (pt), Tryptanol (br), Tryptizol (pt)
Bupropiona Wellbutrin (br), Zyban (substância também conhecida como amfebutamona em Portugal)
Citalopram Cipramil (br)
Clomipramina Anafranil
Escitalopram Cipralex(pt), Lexapro (br)
Fluoxetina - Daforin, Deprax, Depress, Digassim, Eufor 20, Fluxene, Neo Fluxetin, Nortec, Prozac, Prozen, Psiquial, Verotina, Fluctin, Fludac, Fontex, Foxetin, Lovan, Prodep, Prozac, Psipac, Sarafem, Selectus, Symbyax
Fluvoxamina Dumyrox (pt), Luvox(br)
Imipramina Tofranil
Moclobemida Aurorix
Nortriptilina Nortelor (pt), Pamelor(br)
Reboxetina Edronix (pt), Prolift (br)
Sertralina Zoloft, Sercerin, Novativ, Tolrest, Serenata, Assert
Tianeptina Stablon
Trazodona Triticum (pt)
Venlafaxina Efexor, Effexor XR

Desipramina, hormônios tireoidianos, sal de lítio algumas vezes utilizados

DISTÚRBIO BIPOLAR - NOME GENÉRICO E NOME COMERCIAL

Ácido Valpróico Depakene (br), Depakine (pt), Diplexil (br)Valpakene (br)
Carbamazepina Tegretol
Divalproato de sódio Depakote (br)
Sal de lítio Carbalítium(br), Priadel (pt)

Aripiprazol, Clorpromazina, Flufenazina, Topiramato, podem ser usados ocasionalmente

PSICOSE - NOME GENÉRICO E NOME COMERCIAL

Aripiprazol  Abilifly
Ciamemazina Tercian
Clorpromazina Amplictil (br), Largactil (pt)
Clozapina Leponex
Flufenazina Anatensol, Anatensol depot
Flupentixol Fluanxol (pt)
Haloperidol Haldol, Haldol decanoato, Serenelfi (pt)
Levomepromazina Neozine (br), Nozinam (pt)
Melperona Bunil (pt)
Olanzapina Zyprexa
Pimozida Orap
Quetiapina Alzen (pt), Seroquel
Risperidona Risperdal
Sulpirida Dogmatil (pt)
Trifluoroperazina Stelazine (br)
Ziprazidona Geodon (br), Zeldox (pt)
Zuclopentixol Cisordinol (pt)

Carbamazepina, Ácido valpróico utilizados às vezes

Fonte: wikipédia a enciclopédia livre









domingo, 30 de maio de 2010

Noites

Em noites como esta, em que os sentimentos ruins assolam o coração, nada satisfaz este vazio. Recorro a um copo de bebida num bar cheio de pessoas estranhas. Lembro do que já fiz por desespero, por desilusão, ou apenas por não encontrar o caminho de volta para a luz. Temos a desculpa de ninguém ter a idéia do que realmente sentimos. Quem já teve o desejo de dormir para sempre, ou nunca mais sair de um quarto escuro sabe o que realmente quero dizer. Todos falam sobre depressão, sobre sentimentos ruins, mas poucos tem a coragem de tentar tirar a própria vida. Romper com tudo... Rodando pela rua Augusta vejo prostitutas, pessoas vestidas de preto, tatuagens, piercings, musicas alternativas, todos querem ser diferentes de alguma forma. Bares de esquina, o neon dos puteiros contrastando com as entradas estilizadas das novas casas dedicadas ao público alternativo de São Paulo. Também vejo  universitários sentados  nas portas de alguns bares de esquina, provavelmente com seus papos cabeça que não levam a porra nenhuma. Pelo menos na minha adolescência pós-ditadura, havia muita ideologia no ar. Isso era evidente nas bandas de rock que ouvíamos, nos lugares que freqüentávamos, em todo aquele desejo da liberdade que havia sido reprimida até então. O mundo mudou, a solução é adaptar-se ou sucumbir. Apesar de tudo, todos tem em comum o copo de bebida na mão, a necessidade de atordoar de alguma forma a realidade. Não sou daqui, não pertenço a este lugar, mas é onde desejo estar. Quero passar por todos desapercebido, apenas mergulhar minhas mágoas num copo de vodka com limão e esperar... A garota de cabelo azul beija o rapaz de roupas escuras e olhar triste, a música bate nos meus ouvidos, mas não consegue me envolver. A garçonete não sorri, apenas ocupa-se em trocar mais uma vez o meu copo por outro mais cheio. Brinco com o gelo que ajuda a esfriar os meus ânimos, reclamo para colocarem mais uma fatia de limão. Não sinto mais tanta dor. O rapaz de braços tatuados responsável pelo som deve ter a mesma idade que eu. Fico imaginando como todas aquelas tatuagens em meu braço tornaria possível a minha entrada em algum hospital para trabalhar. Eu sempre quis fazer uma tatuagem, mas nunca tive coragem. Dizem que o estresse que carregamos é medido pela capacidade de dizermos "foda-se" para os problemas da vida. Quanto mais "foda-se",  menos estresse. Que bom se isso fosse verdade. Sinto falta dos charutos que fumei ao lado de um amigo nas poucas vezes que ele me acompanhou até aqui. Definitivamente eu não fumo, mas um bom charuto me fazia sentir-se mais. Não sei explicar. Acho que é o caso do Mauricinho que faz tudo o que papai manda, mas de vez em quando fuma um baseado para sentir-se "livre". Liberdade é o que muitos desejam neste momento. Amanhã todos estarão dentro dos trens e ônibus lotados, correndo contra o relógio para baterem o cartão no horário estipulado, tudo para garantir o necessário para movimentar as engrenagens do sistema. O "dj" coloca um trash dos anos 80. Eu viajo no tempo com  todo álcool dissolvendo o meu sistema nervoso central. Não posso exagerar. Preciso voltar para casa. Mas a noite segue... Uma garota de longos cabelos negros e mini saia esbarra pela segunda vez nas minhas costas, olho com severidade, mas ela me dá um longo sorriso. Quem eu quero não está aqui. A noite segue, cega, ajuda a esquecer a realidade. Do que seria dos heróis gregos sem as suas grandes tragédias. Dos trovadores e poetas sem as suas musas. Vou para casa.

São Paulo
(Finho/Ari Baltazar)

Tem dias que eu digo não
Inverno no meu coração
Meu mundo está em tua mão
Frio e garoa na escuridão...
Sem São Paulo
O meu dono é a solidão
Diga sim
Que eu digo não...
Quem é seu dono?
Ninguém, São Paulo
Desperta São Paulo!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Fragmentos

No final das contas, não importa quem eu seja, mas apenas o que esperam que eu faça. Nas últimas semanas tenho analisado a minha vida, e tentado chegar a uma conclusão. É algo estranho, vem de uma angústia muito antiga, mas que eu ainda não consegui resolver. Passo a maior parte do meu tempo dentro de um hospital psiquiátrico, trabalhando com pacientes solicitativos, carentes, dependentes, etc. Passo por algumas alas onde sou interrogado sobre as mais diversas questões. De informações simples e de ordem administrativa, a intervenções mais complexas como uma contenção mecânica. É um mundo constituído por pacientes depressivos, dependentes químicos, psicóticos, passando por portadores de transtornos de personalidade a bipolares. Todos os dias sou bombardeado das mais diversas formas, mas apesar de tudo, mantenho minha serenidade e meu profissionalismo. Não são raras às vezes em que eu tenho que atender a um paciente em crise, conversar com ele sobre sua própria vida, seu futuro, seu tratamento, etc. Quando há visitas, são os familiares que necessitam de atenção, nas reuniões clínicas a equipe multiprofissional, e desta forma segue. Poucas vezes voltei para casa perturbado com algo que enfrentei no plantão. No entanto, quando saio do hospital deixando meu jaleco pendurado no cabide, tenho uma sensação estranha. No início parece um alívio por mais um dia de trabalho ter chegado ao fim, mas depois algo realmente começa a me incomodar.

Identidade

Você é a casa em que mora, a comida que come, e as contas que paga. Você é o salário que ganha, o crachá que carrega, a família que sustenta. Você é a mentira que acredita, as promessas que fez, os sonhos que sonhou. Você é futebol nos finais de semana, a embriaguez do sábado à noite, a ressaca do domingo. Você é a lagrima que derramou, as velas que acendeu, as pessoas que consolou. Você uma criança apontando para uma estrela, um ser incompreendido, alguém buscando uma razão. Você é a dúvida no meio da madrugada, a angustia sem amanhecer, a própria depressão. Você é a mão segurando a faca afiada, o desespero sem resposta, suicídio sem perdão. Você é um ser adormecido, um corpo sem vida, velas iluminando um caixão. Você é um alterego calado, um Ícaro sem asas, apenas uma ilusão.

domingo, 16 de maio de 2010

Anjos e Musas

Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. Carlos Drummond de Andrade 

Não sei exatamente quem olha por mim lá em cima, talvez seja um querubim tímido de olhar distraído, ou um arcanjo poderoso e inflamado, talvez eu tenha a sorte de além destes, uma musa inspiradora das mitologias gregas. Quem sabe? Na verdade eu não sei, mas Deus está presente na minha vida, nos meus tropeços, erros e vitórias. Cresci como um garoto tímido e distraído que tinha dificuldades nas provas de matemática, química, e física. Precisei de um pouco de ajuda na minha infância, entre as professoras particulares que me ajudaram, uma delas foi a irmã da mãe da minha filha (história comprida, prefiro não falar sobre isso). Mas buscando respostas para meus primeiros tropeços, eu soube por uma das minhas tantas terapeutas, que provavelmente eu tivesse T.D.A.H (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), que isso não havia sido identificado na minha infância, me colocando no patamar de mais uma criança inquieta e mal compreendida por pedagogas incompetentes que rotulam certos alunos de "pestinhas", "limitados", etc. Na verdade, e  por um tempo, eu comecei a me aprofundar no assunto, passei por uma avaliação mais criteriosa, testes, etc. Devido ao meu estigma da bipolaridade, resolvi não assumir maiores "dons", um já bastava. De qualquer forma, eu sigo por passos tortos minha vida. As pessoas que passam por mim apenas me ajudam a reforçar a idéia de que existe algo diferente, algo que não sei explicar, mas que a cada ano de minha vida fica mais evidente. Já escrevi nestas páginas sobre as minhas depressões, hipomanias, compulsões, etc. Também escrevi sobre minhas ocupações profissionais, dúvidas, angústias, etc. Falei de romances, amizades, perdas, despedidas mal elaboradas, pessoas que se foram de uma forma ou de outra. Quero apenas me limitar em escrever sobre um aspecto de minha vida,  acredito que exista realmente uma "lei da atração". Não apenas um livro de autoajuda que fez um grande sucesso por um tempo, para depois ser substituído por outro no verão seguinte. Eu não faço planos, mesmo quando pareço estar interessado em alguém, sigo meu caminho com a mesma timidez da minha infância. Mas elas se aproximam. E ao chegarem perto de mim, eu percebo que não estou à frente de alguma pacata senhorita que bate cartão de manhã no trabalho, para depois estar no horário do jantar assistindo ao Jornal Nacional ou a novela. São mulheres intensas, inteligentes, misteriosas, complexas, ordinárias, falsas, sedutoras. Algumas inspiram paixão, sonhos, planos, desejos e chegam até mesmo a deixar saudades. Outras eu tive que interceder por colocarem suas próprias vidas em risco. Um bipolar ao lado de uma compulsiva com transtorno de personalidade, outra com tendência a dependência química. Realmente alguém lá em cima gosto de mim, ainda estou aqui. Marcas profundas, algumas seqüelas, mas ainda estou aqui. Quem sabe dentre estas idas e vindas, eu finalmente encontre alguém que deseje estar ao meu lado, mesmo com todos os meus defeitos. Sou um ser único em toda a minha constituição, isso é cientificamente provado. Mas teimo em dizer que existe algo diferente me mim, e não é apenas a bipolaridade.  
 

As Musas

As musas são entidades mitólogicas a que são atribuidas capacidade de inspirar a criação artística ou científica; na Grécia, eram as nove filhas de Mnemosine e Zeus. Musa, no singular, é a figura feminina real ou imaginária que inspira a criação. O correspondente masculino seria o fauno, todavia este ser não tem exatamente a mesma capicidade inspiradora na mitologia. O templo das musas era o Museion, termo que deu origem à palavra museu, nas diversas línguas indo-européias, como local de cultivo e preservação das artes e ciências.
 

Vou até o Fim
Chico Buarque

Quando nasci
Veio um anjo safado
O chato dum Querubim
E decretou
Que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída
A minha estrada entortou
Mas vou até o fim...
"Inda" garoto
Deixei de ir à escola
Caçaram meu boletim
Não sou ladrão
Eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro
É o que jamais me esperou
Mas vou até o fim...
Eu bem que tenho
Ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou
Que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como
O Maracatu começou
Mas vou até o fim...
Por conta de umas questões
Paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir
As minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga
Minha mula empacou
Mas vou até o fim...
Não tem cigarro
Acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu
Com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro
"Pronde" mesmo que vou
Mas vou até o fim...
Como já disse
Era um anjo safado
O chato dum Querubim
Que decretou
Que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída
A minha estrada entortou
Mas vou até o fim...
"-Como já disse
Era um anjo safado
O chato dum Querubim
Que decretou
Que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Todo ruim, todo ruim"
Mas Vou Até O Fim!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Fuga

Os dias passam lentos enquanto eu cuido das minhas responsabilidades, rápidas quando estou me divertindo. Algumas vezes me sinto como uma bomba relógio preste a explodir, carregando meu segredo dentro de mim, escondendo evidencias, disfarçando pequenos deslizes. Sorrisos e gestos ensaiados, gentilezas forçadas, jogos necessários para manter-se estável num lugar onde muitos não se preocupam apenas com suas próprias vidas, parece que há em tentar monitorar os que estão ao seu redor. Pensamento persecutório? Algumas vezes sinto vontade de pegar estrada e apenas rodar até não agüentar mais. Ir para algum lugar longe de tudo e de todos. Para um mundo apenas meu algo que não fosse feito de concreto, portas e trancas. Parece que elas existem para nos dar uma sensação de “limites”. Meu mundo mudou mais rápido do que meus sentimentos puderam acompanhar. Antes eu tinha os sacos de pancada, os ringues, colegas de tatame, ou simplesmente meus alunos. Escoriações, cicatrizes, hematomas, socos, chutes, arremessos, espadas, bastões, etc. Parece que todas as vezes que um grupo de pessoas se reúne com os mesmos objetivos e idéias, algo muito forte acontece. Mas isso tem que ser espontâneo e sincero. Sinto falta disso. Hoje não consigo voltar ao meu grupo, isso criou em mim um grande vazio. Não é algo que meu estabilizante de humor, ou meu antidepressivo conseguirá restabelecer. Mas precisei tomar minhas decisões baseadas nas minhas necessidades em buscar abrigo e comida. Não são estas as necessidades primárias de um ser humano? “Ria e o mundo rirá contigo, chore e acabará chorando sozinho”. Não quero fugir de minhas responsabilidades, nunca pensei nisso. Preciso apenas de uma compensação, o ópio que me faça esquecer o lado triste da vida, a pinga no copo sujo do boteco que o peão enfia goela à baixo para amortecer o corpo.  Tenho oscilado bastante, algumas vezes beirando uma certa irritabilidade quase incontrolável. Mas a bomba não explode, não perco o controle, ou a razão em meus pensamentos. Sigo sorrindo, interpretando meu papel, sendo anfitrião numa festa cheia de sentimentos estranhos. Meu mundo não é o seu mundo, não me fale do seu deus, das suas máximas decoradas de livros de auto-ajuda ou da sua dor. Você não me conhece, não sabe de onde vim, ou para onde desejo ir. Quando eu treinava artes marciais com mestres tradicionais, aprendi a ignorar as dores causadas pelas pancadas dos meus adversários, a sede, o cansaço dos treinos intensos, e as torturas psicológicas dos momentos em que eu chegava ao meu limite. Depois de algum tempo, a dor diminuía ou simplesmente se torna algo natural, os adversários nada mais eram do que instrumentos para que pudéssemos evoluir. Não posso pegar a estrada que tanto anseio deixando para trás minhas responsabilidades, também não consigo uma brecha na minha rotina para voltar a treinar. No final das contas o que seria esta estrada? Uma realização pessoal de uma viagem tanto sonhada, ou uma fuga para o infinito realizada num momento de desespero? 

Quando se amarra bem o próprio coração e se faz dele um prisioneiro, pode-se permitir ao próprio espírito muitas liberdades.  Friedrich Nietzsche

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Feliz Aniversário!

Aniversário em pleno plantão de doze horas, coisas da profissão. Não reclamo, pois finalmente estou trabalho da forma que tanto desejava. Se Deus quiser terei um dia tranqüilo, com poucas intercorrências. No final das contas, terminarei meu turno bebendo sozinho em algum lugar. Não é autopiedade ou algo assim, já me senti só mesmo estando ao lado daqueles que se julgavam especiais para mim. Ao chegar em casa meus pais estarão dormindo, haverá um bolo em cima da mesa, e poderei ficar na sala de estar perdido em meus pensamentos, ou me rendendo ao cansaço. Mensagens no orkut, no celular, quem sabe algum telefonema. Minhas escolhas me levaram pelos caminhos que hoje trilho. Uma foto da minha filha na carteira, algumas cicatrizes, lembranças. Saudades de algumas pessoas que se foram e que infelizmente não estão mais entre nós. Uma época de velas coloridas, amigos, vizinhos, e colegas de escola ao redor de uma mesa enfeitada com um bolo cheio de confeito. Nestes momentos que me transportam para o passado, lembro de pessoas queridas que se foram. Minha madrinha, meu tio preferido que sempre me enchia de mimos quando eu era criança, ou mesmo nas tragédias que levaram amigos preciosos e tão jovens.


Poço De Sensibilidade
Composição: Edgard Scandurra

Por entre ruas, entre carros e placas
Luzes, cheiros e toques
Eu sou um poço de sensibilidade
te buscando na cidade
Eu sou um poço de sensibilidade
Entre veludos e cetins
Fantasias e brinquedos
Desejos e um certo medo
Cheiros e toques
Eu sou um poço de sensibilidade
Te buscando na cidade
Eu sou um poço de sensibilidade
O seu sorriso no meu dia-a-dia
A sua palavra em meu vocabulário
Minha professora, eu aprendi tudo errado
Te buscando na cidade
Eu sou um poço de felicidade
Com seu nariz furando o vento
Com um certo ar de autoridade
Eu fico louco, louco de saudade
Sou um cara afortunado
perto de ti eu sou um poço de sensibilidade.

Aos boçais

Relatos e depoimentos de quem vivencia não apenas o transtorno afetivo bipolar, mas também é responsável pelos cuidados e processos terapêuticos de outras pessoas acometidas por este mesmo mal. É algo um tanto curioso. No começo eu acreditava que isso faria de mim um profissional impar, no sentido de poder estar dos dois lados. Por mais detalhistas que alguns livros possam parecer, nada é tão surreal do que sentir na pele todas as suas conseqüências. Desta vez não escreverei sobre estados mistos, maníacos, hipomaníacos, psicóticos, depressivos, estabilizantes de humor, etc. Também não falarei sobre alguma “grande novidade” descoberta nestes últimos dias, e que poderia “revolucionar” os tradicionais tratamentos de distúrbios afetivos. Deixando os termos técnicos de lado, e descascando o verbo de uma forma tão informal quanto uma mesa de bar, desejo expressar meus sentimentos sobre aqueles que apesar de todas as crises, sofrimentos, lágrimas, etc. Continuam boicotando a si mesmos, levando ao limite a capacidade de seus amigos e familiares em apóia-los, ou de servirem de porto seguro a cada ato impensado, ou egoísta, desistindo ou camuflando seu próprio tratamento. Não falo daqueles cujas famílias são alienadas, a ponto de não os apoiarem, ou que algumas vezes procuram formas mirabolantes de cura no delírio de alguns curandeiros, ou sacerdotes populares que incentivam seus seguidores a negarem a ciência. Meus comentários são sobre aqueles sujeitos que somam incontáveis retornos às clinicas psiquiátricas, por negarem a própria doença, por acreditarem que a família deva carregar o fardo de suas crises, ou mesmo por encontrarem nas fases mais “exaltadas” uma forma de prazer. Os masoquistas, os egoístas, os egocêntricos, arrogantes, mas principalmente cegos. Haverá um momento em que estarão no buraco mais fundo de suas crises, desta vez, porém, sem o apoio daqueles que esgotaram seus recursos, sem as mãos que antes os afagavam, que ofereciam um abraço num momento de angústia. Acredito que nem todos são culpados por viverem de crise em crise, queimando a possibilidade de uma verdadeira recuperação, mas para aqueles cuja carapuça serviu. Minhas lamentações, pois mesmo em condições difíceis podemos identificar quem realmente deseja ter uma vida normal, voltar a viver, ou apenas ter um rótulo, usando a bipolaridade como desculpas para tudo.



Ai de mim! Se neste intento
por Gregório de Matos

Ai de mim! Se neste intento,
e costume de pecar
a morte me embaraçar
o salvar-me, como intento?
que mau caminho freqüento
para tão estreita conta;
oh que pena, e oh que afronta
será, quando ouvir dizer:
vai, maldito, a padecer,
onde Lucifer te aponta.
 
Valha-me Deus, que será
desta minha triste vida,
que assim mal logro perdida,
onde, Senhor, parará?
que conta se me fará
lá no fim, onde se apura
o mal, que sempre em mim dura,
o bem, que nunca abracei,
os gozos, que desprezei,
por uma eterna amargura.
 
Que desculpa posso dar,
quando ao tremendo juízo
for levado de improviso,
e o demônio me acusar?
Como me hei de desculpar
sem remédio, e sem ventura,
se for para aonde dura
o tormento eternamente,
ao que morre impenitente
sem confissão, nem fé pura.
 
Nome tenho de cristão,
e vivo brutualmente,
comunico a tanta gente
sem ter, quem me dê a mão:
Deus me chama co perdão
por auxílios, e conselhos,
eu ponho-me de joelhos
e mostro-me arrependido;
mas como tudo é fingido,
não me valem aparelhos.
 
Sempre que vou confessar-me,
digo, que deixo o pecado;
porém torno ao mau estado,
em que é certo o condenar-me:
mas lá está quem há de dar-me
o pago do proceder:
pagarei num vivo arder
de tormentos repetidos
sacrilégios cometidos
contra quem me deu o ser.

Mas se tenho tempo agora,
e Deus me quer perdoar,
que lhe hei de mais esperar,
para quando? ou em qual hora?
que será, quando traidora
a morte me acometer,
e então lugar não tiver
de deixar a ocasião,
na extrema condenação
me hei de vir a subverter.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Flores e Espinhos

A última vez que parei na frente de um computador eu estava procurando detalhes sobre uma medicação que deveria ser ministrada num paciente. Parece exagero, mas não é. Sinto saudades de poder estar aqui e falar um pouco de mim, dos meus pensamentos, idéias, depoimentos e devaneios... Não posso reclamar, desejei muito este emprego, e prometi a Deus que eu me dedicaria como nunca. Algumas vezes testo meus limites com noites mal dormidas em plantões intermináveis, estresse, comida ruim, pouca diversão, ou atividades que me façam descansar, sentir prazer ou simplesmente relaxar. Nunca consegui algo em minha vida sem sacrifícios. Devo ter direcionado toda a energia que eu gastava com dúvidas, auto-piedade, e lembranças de coisas mal resolvidas para tentar me levantar. Estou fazendo algo realmente novo, e desta vez não esqueço de todas as cicatrizes que marcaram minha jornada. Não há bandidos ou mocinhos, está tudo em minhas mãos. Nem sempre ouvirei aquilo que desejo, ou serei tratado pelo que realmente sou. Mas e dai? Não posso perder tempo culpando a natureza, ou pessoas que não me compreenderam, ou que eu não fiz compreender. Mas sinto falta da terapia que ficou em segundo plano, do meu mestre que não responde aos meus e-mails (por eu ter abandonado as aulas de forma não repentina), das vezes que eu saia para assistir um filme, beber algo, ou ver gente conversando e sorrindo. A vaga de "folguista" não me permite ter horários fixos ou uma agenda programada. Perdi as contas de quantas vezes eu trabalhei na mesma semana em horários completamente diferentes. Não estou reclamando, tenho aprendido muito. As dinâmicas envolvendo as rotinas de um hospital mudam nos diferentes turnos. Eu não poderia ter vivenciado isso trabalhando de outra maneira. Já me ofereceram um horário fixo para o próximo mês. Logo voltarei a treinar, fazer algo que me dê prazer e quem sabe comprar um cachorro para me fazer companhia..rs Sim, vou continuar com minha fobia a relacionamentos.  Estou saindo de casa sem me preocupar se terei grana para comer, comprar os materiais e livros da pós que estou terminando, pagar minhas inúmeras dívidas, etc. Se vai sobrar algo é uma outra história..rs Onde passo grande parte do meu tempo, encontro pessoas com transtornos afetivos, esquizofrênicos, transtornos de personalidade, dependentes químicos, e tantas outras patologias que preenchem as páginas dos manuais de psiquiatria. Jalecos brancos circulando por todos os lados, psicotrópicos, lágrimas, risos emotivos, gritos, desespero, agressividade, faixas de contenção, seringas e agulhas. Mas também existe compaixão, esperança, seriedade, solidariedade, empatia e a tão esperada "volta para casa". Deus abençoe todos aqueles que trabalham para tirar a dor da alma e da carne daqueles que sofrem. Beijos!


Flores e Espinhos


Nessa época do ano
Quando o frio vem chegando
E há menos flores que espinhos

Os dias perdidos vem a luz
Ainda éramos filhos
Éramos amigos

Até sermos engolidos
Pela vida sem brilho
Por nossos inimigos
Na rotina comum
E sou só um
Mas não sou um deles
Eu sou só um

E mesmo que pareça tolo e sem sentido
Eu ainda brigo por sonhos, eu ainda brigo 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Síndrome de alienação parental

Síndrome de alienação parental (SAP), também conhecida pela sigla em inglês PAS, é o termo proposto por Richard Gardner em 1985 para a situação em que um dos pais de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao genitor que causa a situação (e não ao que é vítima dela).

Características

Habitualmente é um fenômeno desencadeado por um dos pais em relação ao outro, do mesmo modo que não é necessariamente causada por divórcio ou separação, mas também pode ser provocado por outra pessoa distinta do guardião do menor (novo companheiro(a), avós, tios, etc.). Também se tem observado casos dentro de famílias intactas (que não sofreram separação), ainda que sejam menos frequentes.

É chamada Síndrome de alienação parental (SAP), conhecida internacionalmente por sua sigla em inglês, (PAS), ao processo destinado a romper o vínculo dos filhos com um dos seus genitores. O termo foi proposto pelo doutor em Psiquiatria Richard A. Gardner em 1985, como consequência do estudo que realizou em casos de divórcios conflituosos ou destrutivos. Posteriormente, centenas de estudos se sucederam comprovando a universalidade dos comportamentos descritos em diversos países onde existe o divórcio. Em português, temos alguns livros publicados sobre o assunto (falta lista de livros), e pode-se citar especialmente o dvd "A morte inventada", sobre este tema.


Características básicas


Normalmente é um fenômeno desencadeado por um dos genitores em relação ao outro, do mesmo modo que não necessariamente se desencadeia por divórcio ou separação, também pode ser provocado por uma outra pessoa que detém a guarda do menor (madrastas/padrastos, avôs, tios, etc...); também se observa casos entre casais que mantém o vínculo ainda que isto seja menos frequente.
Gardner distingue três graus de SAP: leve, moderado e agudo, aconselhando diversas formas de ação para cada um deles, e destacalndo a importância de se distinguir em que caso se está atuando.

Atualmente existe muita informação sobre este fenômeno, que possui legislação específica sobre a matéria em diversos países, sendo incluindo no Código Civil de diversos estados dos EUA e México. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos de Estrasburgo também o reconhece igualmente em diversas sentenças sobre temas de família.

É característico dos filhos que estejam envolvidos no processo de divórcio, visto que é provocada pelo genitor responsável pela alienação, mediante uma mensagem e uma programação contituindo o que normalmente se denomina lavagem cerebral. Os filhos que sofrem desta síndrome, desenvolvem um ódio patológico e injustificado contra o pai ou mãe alienado, e tem consequências devastadoras para o desenvolvimento físico e psicológico destes. Consequentemente a síndrome afeta também a familiares do genitor alienado, como avós, tios, primos, etc. Outras vezes, sem chegar a sentir ódio, a SAP provoca nos filhos uma deterioração da imagem do genitor alienado, resultando em valores sentimentais e sociais menores do que aqueles que qualquer criança tem e necessita: o filho(a) não se sente orgulhoso de sua mãe ou pai como as demais crianças. Esta forma mais sutil, que se valerá da omissão e negação de tudo o que se refere à pessoa alienada, não produzirá danos físicos nos menores, mas sim em seu desenvolvimento social e psicológico a longo prazo, quando na idade adulta exercerão seu papel de pai ou mãe.

Crianças vítimas da Síndrome da Alienação Parental são mais propensas a:
  1. Apresentar distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade e pânico.
  2. Utilizar drogas e álcool como forma de aliviar a dor e culpa da alienação.
  3. Cometer suicídio.
  4. Apresentar baixa auto-estima.
  5. Não conseguir uma relação estável, quando adultas.
  6. Possuir problemas de gênero, em função da desqualificação do genitor alienado.
 Ligações externas

Associações em Portugal que lutam contra este fenómeno:
fonte: wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_aliena%C3%A7%C3%A3o_parental
 




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Lobo Mau

São quatro horas da manhã e o despertador toca. Como um cachorro adestrado a responder por um determinado estímulo, eu começo meus rituais diários. Seria interessante pensar que se esta “sineta” não tivesse tocado meu dia seria completamente diferente. Perco alguns minutos com o café da manhã, tomo um banho rápido, arremesso nas costas a minha mochila e sigo rumo à estação de trem. Ainda é noite, e as ruas estão desertas apesar de ser domingo de carnaval. No meu bairro de periferia não há bares abertos, ou padarias com bebedores comemorando a madrugada. Chego a estação de trem, sem me preocupar se conseguiria um banco vazio para sentar. Poucas pessoas, alguns foliões voltando dos bailes, outros com malas, ou mochilas sugerindo viagens. Parece tudo normal para um feriado prolongado. Da janela do trem vejo o dia amanhecer, no hospital um plantão de doze horas me aguarda. Para alguns isso seria algo inaceitável nesta época do ano. Quarenta e cinco minutos depois, eu desço próximo às imediações do hospital. Ao contrário do meu bairro, vejo pessoas bebendo na porta de alguns bares, padarias abertas atendendo os primeiros clientes. Faço uma oração rápida antes de entrar no trabalho pedindo um dia tranqüilo e sem muitas intercorrências. Mas o dia se arrasta, passa lento... Por baixo do jaleco meu corpo transpira, um dia ensolarado e quente. Entre meus pacientes estão dependentes químicos, depressivos com tentativa de suicídio, bipolares em crise, esquizofrênicos dos mais diversos, psicóticos, e tantos outros com as mais diversas patologias. Mas apesar de tudo, não tenho nenhum problema com eles. Na verdade eu gosto do que faço. Pode parecer difícil, mas se olhar para cada ser humano que está ali, perceberá alguém estendendo uma mão e pedindo ajuda. Alguns já passaram tantas vezes por internações devido a suas patologias, que as famílias sabem que não podem exigir muito do tratamento. Esperam ao menos que estejam estáveis o suficiente, para continuarem o tratamento num outro lugar.  Diferentes pessoas, com diferentes histórias e situações. Não quero perder mais tempo falando sobre isso. É algo muito complexo. Treze horas depois com alguns atrasos e inúmeras intercorrências, estou fora do hospital indo para casa. São mais de oito horas da noite. Domingo de carnaval. Não tenho para quem telefonar, ou para onde ir. É um caminho direto para casa e sem muitas opções. Paro numa padaria, minha mente está muito cansada, minha camiseta colada ao corpo suado, meu calçado novo faz doer um dos meus dedos. Penso uma, duas, três vezes, acho que vou desistir, mas... Faço algo bem atípico, preciso de algo que me faça esquecer algumas coisas, e aceitar outras. Sem muitas opções peço uma cerveja e um copo grande. Não é algo que faço pelo “prazer” de sentir a bebida descendo goela a baixo. Não tento imaginar uma daquelas propagandas onde mostram mulheres deslumbrantes e rapazes malhados com garrafas e latas de cerveja mostrando o quanto são felizes por estarem naquela situação. Não, definitivamente não. Em dez minutos esvazio a garrafa de bebida amarga e pesada como se fosse um remédio para meu tédio e preocupações. Prefiro vinhos, destilados, etc. Na verdade depois que comecei a trabalhar no hospital, passei a não preferir mais nada, apenas em trabalhar e me tratar. Sinto meu corpo leve, minhas preocupações menores. Lembro de meus pacientes dependentes químicos e como eles usam as drogas como mecanismo de alivio, fuga, prazer, etc. A questão vai, além disso, mas por enquanto me detenho a esta explicação. É incrível como a bebida sociabiliza as pessoas. Um desconhecido que estava no mesmo lado do balcão faz um comentário sacana sobre a mulata que aparece em destaque na TV da padaria. Dou uma risada e já consigo um amigo. Logo ele estaria falando sobre a esposa, dando referencias de como é o carnaval em sua cidade natal, etc. Sem poder voltar tarde para casa, sigo o caminho de volta. Novamente pelas mesmas estações de trem, o céu escuro e cheio de estrelas, foliões, pessoas com malas e mochilas nas costas, nada mais do que um cenário repetitivo, mas desta vez com um maior número de pessoas. Duas meninas sentadas a minha frente trocam beijos. Não devem ter mais de 16 anos. Fico admirado pela atitude. “Nos amamos e não nos importamos com que o mundo pense”. Não deixo de admira-las. O álcool da cerveja vai perdendo força. Penso no que mais me aborrece no momento, e apesar de tantas coisas sempre volto à mesma questão:

Minha filha que passou a me detestar desde que a minha ex-mulher me viu com minha primeira namorada “pós-separação”. Nada justo, ela já estava namorando bem antes de mim, mas desde então, minha filha não quis mais colocar os pés na minha casa. Conhecidência? Claro que não!

Faço tudo o que está ao meu alcance para agrada-la, mas vejo uma adolescente se formando com a idéia fixa de que o pai não presta. Acho que só estou escrevendo sobre isso para dizer que a vida segue com suas exigências, provações e pressões. Eu poderia citar outras coisas que fazem parte da minha lista negra. Mas quero parar por aqui. Não há comprimido para isso. Psicoterapia me ajuda muito, mas com a vida corrida que levo não consigo estabelecer horários fixos. Minha escala já mudou três vezes neste início de mês, e não quero fazer grandes exigências no momento. Se devido ao transtorno bipolar somos mais suscetíveis a labilidades de humor, descontroles emocionais, etc. Passo a me preocupar muito sobre a possibilidade da minha lista negra ruir a minha estabilidade. Conversei com uma paciente sobre suja trajetória até a crise maníaca. Procurei saber qual foi o percurso até ali, o que a levou a deixar os medicamentos que estava usando há tanto tempo. Ela disse que estava trocando seu tratamento para algo menos ofensivo para o organismo, pelo menos era nisso que acreditava. No entanto, no meio do caminho, teve seu carro roubado, uma discussão séria com o filho e por fim o afastamento do emprego. Rompeu com a realidade e a crise veio com toda a força. Quem tem medo de lobo mau? Eu tenho. Ele sempre está rondando. Apesar de ter uma arma carregada, o medo permanece.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Todos os dias

01:30h – Uma ambulância entra pelos portões do estacionamento do setor de internações de um hospital psiquiátrico. Dentro dela, um motorista, uma enfermeira e um médico da equipe de emergência acompanham uma mãe angustiada ao lado de sua filha que permanece sedada e contida na parte traseira do veiculo. Sem condições de responder as perguntas necessárias para a internação, à médica da instituição tenta obter o máximo de informações possíveis da mãe da paciente que foi chamada as pressas no setor de emergência do aeroporto no qual a filha embarcava para um congresso em Fortaleza. Talvez se fosse possível “ver” a situação pelo ângulo de cada pessoa envolvida nesta cena a coisa seria mais ou menos assim:

Para a equipe de remoção seria mais um trabalho como tantos outros realizados naquela madrugada. Entre vítimas de acidentes de trânsito, emergências psiquiátricas, cardíacas, falsas chamadas, e algumas que não necessitariam da presença de uma equipe especializada, mas que alimentam o banco de dados da central de atendimento e que necessitam ser verificadas.

Para a médica plantonista, talvez seria mais uma paciente internada em crise maníaca necessitando de cuidados imediatos. Uma dentre tantas outras em sua carreira. Ela sabe que tem uma responsabilidade a cumprir e procura fazer isso da maneira mais profissional e humana possível. Provavelmente esta paciente será direcionada a um outro médico no período diurno, mas como médica responsável por aquele plantão, ela tem como prioridade estabilizar a situação e garantir o atendimento necessário naquele momento.

Dizem que sofrimento de mãe é algo indescritível. Não pretendo desmistificar isso, mas posso descrever uma senhora de meia idade com os olhos vermelhos, o rosto cansado, voz rouca e gestos protetores a todo instante. Quem tem um filho sabe que não poderia ser diferente.

Mais tarde lendo o histórico da paciente e conversando por alguns minutos com a mãe, eu soube que seu marido também sofria de transtorno afetivo bipolar. Que este era o primeiro episódio de surto vivido pela filha, e justamente num momento em que ela embarcava para um importante congresso representando a empresa do qual faz parte. O “gatilho” para a fazia maníaca provavelmente teria sido alguns medicamentos usados de forma indiscriminada para emagrecer.

Eu estava numa das alas do hospital conversando com uma paciente insone quando recebi um telefonema da recepção do hospital informando a internação. Solicitei a um outro membro da equipe que me acompanhasse e fomos ao encontro da paciente. Gosto de chegar antes do término da consulta de admissão para avaliar a situação. Alguns pacientes chegam ouvindo vozes, vendo vultos, e distorcendo completamente a realidade. Acreditam estar sendo perseguidos, aprisionados por conspiradores, ou seres de outro planeta. Gritam, agitam, se tornam agressivos e resistentes dificultando a internação.

Num aspecto geral, emergências psiquiátricas são caracterizadas por pacientes que colocam a própria vida em risco, a vida de outras pessoas, ou não tem condições de cuidar de si mesmos.

Embora tivesse recebido uma dose significativa de sedativos a paciente estava muito chorosa, referindo dor onde havia sido aplicada a injeção, roupas sujas, e as faixas de contenção permaneciam amarradas nos seus pulsos e tornozelos. Lentamente a conduzimos até o quarto de observação onde suas roupas foram trocadas e as faixas retiradas. Inquieta e reclamando a todo instante pela presença da mãe, acabou deitando na cama e dormindo quinze minutos depois.

Todas as madrugadas histórias como estas se repetem dentro de um setor de emergência de um hospital psiquiátrico. Algumas vezes até cinco internações numa mesma madrugada. Histórias parecidas ou completamente distintas, pessoas ricas, pobres, intelectualizadas ou com carência de qualquer tipo de orientação básica do que possa ser a sua própria doença. Algumas atribuindo tais patologias ou dependências químicas a espíritos malignos e possessões. Mas o que realmente me impressiona são as internações destinadas a pessoas envolvidas com a área da saúde. Enfermeiros, psiquiatras, terapeutas, estudantes de medicina, psicólogos, etc. Pessoas que deveriam estar aparentemente imunes à ignorância quanto à doença ou transtornos que carregam. Isso realmente me toca. Não me refiro aos sujeitos que mesmo fazendo uso de medicamentos e terapias ficam doentes, mas daqueles que um dia resolveram provar a si mesmos que não necessitavam mais de qualquer tipo de ajuda.

Eu me pergunto todos os dias se estou realmente me cuidando como deveria. Não tenho dúvidas quanto a minha vontade de manter o tratamento.