sexta-feira, 14 de maio de 2010

Fuga

Os dias passam lentos enquanto eu cuido das minhas responsabilidades, rápidas quando estou me divertindo. Algumas vezes me sinto como uma bomba relógio preste a explodir, carregando meu segredo dentro de mim, escondendo evidencias, disfarçando pequenos deslizes. Sorrisos e gestos ensaiados, gentilezas forçadas, jogos necessários para manter-se estável num lugar onde muitos não se preocupam apenas com suas próprias vidas, parece que há em tentar monitorar os que estão ao seu redor. Pensamento persecutório? Algumas vezes sinto vontade de pegar estrada e apenas rodar até não agüentar mais. Ir para algum lugar longe de tudo e de todos. Para um mundo apenas meu algo que não fosse feito de concreto, portas e trancas. Parece que elas existem para nos dar uma sensação de “limites”. Meu mundo mudou mais rápido do que meus sentimentos puderam acompanhar. Antes eu tinha os sacos de pancada, os ringues, colegas de tatame, ou simplesmente meus alunos. Escoriações, cicatrizes, hematomas, socos, chutes, arremessos, espadas, bastões, etc. Parece que todas as vezes que um grupo de pessoas se reúne com os mesmos objetivos e idéias, algo muito forte acontece. Mas isso tem que ser espontâneo e sincero. Sinto falta disso. Hoje não consigo voltar ao meu grupo, isso criou em mim um grande vazio. Não é algo que meu estabilizante de humor, ou meu antidepressivo conseguirá restabelecer. Mas precisei tomar minhas decisões baseadas nas minhas necessidades em buscar abrigo e comida. Não são estas as necessidades primárias de um ser humano? “Ria e o mundo rirá contigo, chore e acabará chorando sozinho”. Não quero fugir de minhas responsabilidades, nunca pensei nisso. Preciso apenas de uma compensação, o ópio que me faça esquecer o lado triste da vida, a pinga no copo sujo do boteco que o peão enfia goela à baixo para amortecer o corpo.  Tenho oscilado bastante, algumas vezes beirando uma certa irritabilidade quase incontrolável. Mas a bomba não explode, não perco o controle, ou a razão em meus pensamentos. Sigo sorrindo, interpretando meu papel, sendo anfitrião numa festa cheia de sentimentos estranhos. Meu mundo não é o seu mundo, não me fale do seu deus, das suas máximas decoradas de livros de auto-ajuda ou da sua dor. Você não me conhece, não sabe de onde vim, ou para onde desejo ir. Quando eu treinava artes marciais com mestres tradicionais, aprendi a ignorar as dores causadas pelas pancadas dos meus adversários, a sede, o cansaço dos treinos intensos, e as torturas psicológicas dos momentos em que eu chegava ao meu limite. Depois de algum tempo, a dor diminuía ou simplesmente se torna algo natural, os adversários nada mais eram do que instrumentos para que pudéssemos evoluir. Não posso pegar a estrada que tanto anseio deixando para trás minhas responsabilidades, também não consigo uma brecha na minha rotina para voltar a treinar. No final das contas o que seria esta estrada? Uma realização pessoal de uma viagem tanto sonhada, ou uma fuga para o infinito realizada num momento de desespero? 

Quando se amarra bem o próprio coração e se faz dele um prisioneiro, pode-se permitir ao próprio espírito muitas liberdades.  Friedrich Nietzsche