sexta-feira, 21 de maio de 2010

Fragmentos

No final das contas, não importa quem eu seja, mas apenas o que esperam que eu faça. Nas últimas semanas tenho analisado a minha vida, e tentado chegar a uma conclusão. É algo estranho, vem de uma angústia muito antiga, mas que eu ainda não consegui resolver. Passo a maior parte do meu tempo dentro de um hospital psiquiátrico, trabalhando com pacientes solicitativos, carentes, dependentes, etc. Passo por algumas alas onde sou interrogado sobre as mais diversas questões. De informações simples e de ordem administrativa, a intervenções mais complexas como uma contenção mecânica. É um mundo constituído por pacientes depressivos, dependentes químicos, psicóticos, passando por portadores de transtornos de personalidade a bipolares. Todos os dias sou bombardeado das mais diversas formas, mas apesar de tudo, mantenho minha serenidade e meu profissionalismo. Não são raras às vezes em que eu tenho que atender a um paciente em crise, conversar com ele sobre sua própria vida, seu futuro, seu tratamento, etc. Quando há visitas, são os familiares que necessitam de atenção, nas reuniões clínicas a equipe multiprofissional, e desta forma segue. Poucas vezes voltei para casa perturbado com algo que enfrentei no plantão. No entanto, quando saio do hospital deixando meu jaleco pendurado no cabide, tenho uma sensação estranha. No início parece um alívio por mais um dia de trabalho ter chegado ao fim, mas depois algo realmente começa a me incomodar.

Identidade

Você é a casa em que mora, a comida que come, e as contas que paga. Você é o salário que ganha, o crachá que carrega, a família que sustenta. Você é a mentira que acredita, as promessas que fez, os sonhos que sonhou. Você é futebol nos finais de semana, a embriaguez do sábado à noite, a ressaca do domingo. Você é a lagrima que derramou, as velas que acendeu, as pessoas que consolou. Você uma criança apontando para uma estrela, um ser incompreendido, alguém buscando uma razão. Você é a dúvida no meio da madrugada, a angustia sem amanhecer, a própria depressão. Você é a mão segurando a faca afiada, o desespero sem resposta, suicídio sem perdão. Você é um ser adormecido, um corpo sem vida, velas iluminando um caixão. Você é um alterego calado, um Ícaro sem asas, apenas uma ilusão.