quarta-feira, 28 de setembro de 2011

“O Bom Samaritano” = “O Bom Travesti”

E perguntaram a Jesus: “Quem é o meu próximo?“

E ele lhes contou a seguinte parábola:
Voltava para sua casa, de madrugada, caminhando por uma rua escura, um garçom que trabalhara até tarde num restaurante. Ia cansado e triste. A vida de garçom é muito dura, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Naquela mesma rua dois assaltantes estavam de tocaia, à espera de uma vítima. Vendo o homem assim tão indefeso saltaram sobre ele com armas na mão e disseram: “Vá passando a carteira“. O garçom não resistiu. Deu-lhes a carteira. Mas o dinheiro era pouco e por isso, por ter tão pouco dinheiro na carteira, os assaltantes o espancaram brutalmente, deixando-o desacordado no chão. Às primeiras horas da manhã passava por aquela mesma rua um padre no seu carro, a caminho da igreja onde celebraria a missa. Vendo aquele homem caído, ele se compadeceu, parou o caro, foi até ele e o consolou com palavras religiosas: “Meu irmão, é assim mesmo. Esse mundo é um vale de lágrimas. Mas console-se: Jesus Cristo sofreu mais que você.“ Ditas estas palavras ele o benzeu com o sinal da cruz e fez-lhe um gesto sacerdotal de absolvição de pecados: “Ego te absolvo…“ Levantou-se então, voltou para o carro e guiou para a missa, feliz por ter consolado aquele homem com as palavras da religião. Passados alguns minutos, passava por aquela mesma rua um pastor evangélico, a caminho da sua igreja, onde iria dirigir uma reunião de oração matutina. Vendo o homem caído, que nesse momento se mexia e gemia, parou o seu carro, desceu, foi até ele e lhe perguntou, baixinho: “Você já tem Cristo no seu coração? Isso que lhe aconteceu foi enviado por Deus! Tudo o que acontece é pela vontade de Deus! Você não vai à igreja. Pois, por meio dessa provação, Deus o está chamando ao arrependimento. Sem Cristo no coração sua alma irá para o inferno. Arrependa-se dos seus pecados. Aceite Cristo como seu salvador e seus problemas serão resolvidos!“ O homem gemeu mais uma vez e o pastor interpretou o seu gemido como a aceitação do Cristo no coração. Disse, então, “aleluia!“ e voltou para o carro feliz por Deus lhe ter permitido salvar mais uma alma. Uma hora depois passava por aquela rua um líder espírita que, vendo o homem caído, aproximou-se dele e lhe disse: “Isso que lhe aconteceu não aconteceu por acidente. Nada acontece por acidente. A vida humana é regida pela lei do karma: as dívidas que se contraem numa encarnação têm de ser pagas na outra. Você está pagando por algo que você fez numa encarnação passada. Pode ser, mesmo, que você tenha feito a alguém aquilo que os ladrões lhe fizeram. Mas agora sua dívida está paga. Seja, portanto, agradecido aos ladrões: eles lhe fizeram um bem. Seu espírito está agora livre dessa dívida e você poderá continuar a evoluir.“ Colocou suas mãos na cabeça do ferido, deu-lhe um passe, levantou-se, voltou para o carro, maravilhado da justiça da lei do karma. O sol já ia alto quanto por ali passou um travesti, cabelo louro, brincos nas orelhas, pulseiras nos braços, boca pintada de batom. Vendo o homem caído, parou sua motocicleta, foi até ele e sem dizer uma única palavra tomou-o nos seus braços, colocou-o na motocicleta e o levou para o pronto socorro de um hospital, entregando-o aos cuidados médicos. E enquanto os médicos e enfermeiras estavam distraídos, tirou do seu próprio bolso todo o dinheiro que tinha e o colocou no bolso do homem ferido. Terminada a estória, Jesus se voltou para seus ouvintes. Eles o olhavam com ódio. Jesus os olhou com amor e lhes perguntou:

“Quem foi o próximo do homem ferido?“

(Correio Popular, 21 de julho de 2002)

terça-feira, 31 de maio de 2011

Sobre novidades e esperanças

Muita coisa mudou desde o início deste ano. Ironicamente não posso reclamar de ter uma vida baseado em rotinas fixas e imutáveis, mas na verdade isto é o que eu mais desejava. Abrir minha agenda e ter a certeza que tudo está organizado. Compromissos, horários da minha escala de trabalho, pós-graduação, consultas, academia (que ainda não consegui voltar) e todas as idas e vindas necessárias. Ser surpreendido de uma hora outra com um compromisso inesperado realmente me afeta. Vou adiando idas ao médico, exames clínicos importantes, meus próprios cuidados para me ajustar aos acontecimentos. Minha medicação continua a mesma, embora eu não faça terapia desde novembro do ano passado. Encaro a crises de outras pessoas que chegam ao hospital como uma oportunidade de avaliar meu comportamento, minhas ações e o que eu sou. Por pior que o paciente esteja eu imagino se um dia eu também estarei ali. Sentado na frente de um sujeito analisando meus atos, meus delírios, minhas oscilações de humor, cada palavra do meu discurso e comportamento, com o poder de me enviar ou não para uma internação sem data precisa para acabar. Não sou médico, só faço parte da equipe, mas percebo a agonia de cada um quando recebe a noticia da necessidade de permanecer internado. As reações vão desde um simples questionamento com uma concordância inconformada, até as mais violentas, necessitando do apoio da equipe com medicamento contra agressividade e contenção mecânica. E você? Como se comportaria? 


Nesta semana após algumas distrações e falhas voltei a usar ritalina. Meu TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) gritou mais alto e recebi algumas recomendações do meu chefe. Ironicamente ele também sofre do mesmo problema, por isso a conversa seguiu num tom de aconselhamento. Mais um comprimido na caixa de medicamentos. Depois de alguns dias percebi melhoras. Não aconselho que ninguém vá atrás de um psiquiatra simplesmente por considerar o TDAH algo simples de ser diagnosticado. Passei por testes, entrevistas e relatos de evidências que necessitavam de alguma intervenção. Só estou aceitando algo que havia deixado de lado acreditando que medicação para bipolaridade seria suficiente. Já escrevi neste blog sobre as características deste transtorno e algumas das minhas "aventuras", que não deixam de ser engraçadas para quem não vive o problema.


Mais novidade???


Estou namorando. Que chovam pedras sobre mim, mas resolvi tentar mais uma vez. Tenho um belo histórico de fracassos afetivos com cicatrizes que vão até alma. O que pode acontecer? Mesmo minhas modalidades de relacionamento mais modernas envolviam riscos  tão grandes quanto estes que estou me submetendo. Se for assim, que seja por algo concreto e real. Com alguém que eu possa chamar de "namorada", que acorde comigo ao meu lado sem pressa de ir embora, ou com algum sentimento de culpa, receio ou medo. De acordo com Dr T, um renomado especialista em transtornos afetivos, posso estar 85% enganado sobre a probabilidade de tudo isso dar certo. Mas enquanto eu estiver vivo, acredito sinceramente que eu não esteja neste mundo apenas para viver numa montanha russa emocional. Dividido entre estados melancólicos, depressivos, eufóricos e abstratos. 


(...)As onze horas em ponto estava Simão encostado á porta do quintal, e a distância convencionada o arreeiro com o cavalo à rédea. A toada da música, que vinha das salas remotas, alvoroçava-o, porque a festa em casa de Tadeu de Albuquerque o surpreendera. No longo termo de três anos nunca ele ouvira música naquela casa. Se ele soubesse o dia natalício de Teresa, espantara-se menos da estranha alegria daquelas salas, sempre fechadas como em dias de mortório. Simão imaginou desvairadamente as quimeras que voejam, ora negras, ora translúcidas, em redor da fantasia apaixonada. Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas ilusões, quando o amor as inventa. Simão Botelho, com o ouvido colado à fechadura, ouvia apenas o som das flautas, e as pancadas do coração sobressaltado(...)


Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco

sábado, 14 de maio de 2011

Se um dia eu for embora sem me despedir


Primeiramente me perdoe...
Diga a todos que não foi por raiva, vingança ou egoísmo
Não culpo ninguém pelo que fiz, não carrego ressentimentos ou arrependimentos
Que em nenhum momento eu deixei de pensar nas pessoas que me amavam e acreditavam em mim
Que apesar da dor que poderá ser derramada com minha ausência, o tempo mostrará que toda cicatriz se fecha por mais profunda que possa parecer
Peça a eles que não se culpem ou se arrependam por algo que fizeram ou deixaram de fazer
Apenas diga que tudo aconteceu da forma que deveria, e se hoje não estou mais aqui significa que meu tempo havia acabado
Agradeça a todo carinho e amor de minha mãe que mesmo antes de segurar a minha mão, ou ouvir meu primeiro choro, já me amava incondicionalmente
Cuidando com tanto zelo daquele pequeno berço de madeira escura ao lado de sua cama, na época em que nossa casa não tinha mais do que três cômodos
Ao meu pai que sempre tentou me proteger de tudo o que fosse ruim e prejudicial, inevitavelmente moldando o meu caráter
No qual muitas vezes eu questionei quando adolescente, mas que ao tornar-me adulto eu passei a compreende-lo em todas as suas decisões
Aos bons amigos que fizeram parte de minhas aventuras, derrotas e conquistas
No primeiro beijo, o primeiro porre e a primeira transa
Os maus amigos que muitas vezes testaram meus valores e questionamentos, quanto ao que era certo ou errado em minhas decisões 
Que apesar de todas as rasteiras e prejuízos que me fizeram sofrer, ajudaram com que eu compreendesse que qualquer um pode estar contigo nos momentos de alegria, mas poucos realmente estão nos momentos de tristeza
Aos meus mestres que sempre admirei imitando-os
Em suas técnicas com torções, socos e quedas
Sem perceber que no que eles realmente tentavam me fortalecer estava alem daquilo que eu via na frente do espelho
Agradeço a ciência
A todos os profissionais que de uma forma ou de outra tentaram me ajudar
Presenciando minhas crises cheias de sentimentos e atitudes tão inversas como depressão, raiva, ira, impulsividade, ignorância, ruína e tantos outros cujas palavras não podem transmitir ao coração o que realmente elas representam
Os psiquiatras, os terapeutas, as minhas inúmeras idas e vindas de consultórios, laboratórios, palestras e reuniões de grupos de ajuda
As pessoas que muitas vezes menosprezaram ou ironizaram minha condição acreditando que nada poderia ser mais grave do que as doenças cujas chagas podem ser vistas pelos olhos
Aos crentes
Os católicos
Toda mão amiga que desejava acima de tudo me dar conforto e um caminho a seguir
A minha cachorra Esperança por permanecer ao meu lado quando ninguém mais agüentava meu desafeto

Enfim...

Se um dia eu for embora sem me despedir
Saiba que foi apenas por você que escrevi esta carta
Apenas pelo seu desejo de me ver feliz ao seu lado
De um dia tornar-se minha esposa e talvez dar aquilo que me negaram
O amor de uma filha que apesar de todos os meus apelos e insistências, aprendeu a odiar um pai, cujo único pecado foi não desejar permanecer mais num casamento, onde o amor foi substituído pela possessão, o respeito por desentendimentos e o dialogo por ressentimentos

"Nossa dor não advém das coisas vividas, 
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram" 
Carlos Drummond Andrade


a minha namorada
e minha filha cujo amor me foi negado

segunda-feira, 14 de março de 2011

Breve retorno - a realidade

Meses se passaram desde a última vez que escrevi algo neste blog. Muitas coisas aconteceram desde então, algumas das quais influenciaram profundamente minha rotina e a forma como eu seguia meus dias. No final das contas, ficou difícil falar apenas sobre transtorno afetivo bipolar com tanta coisa pairando ao meu redor. Pois não é a doença psiquiátrica que você carrega que define o tamanho de sua cruz, mas a forma como você a enfrenta. Para os mais pessimistas devo dizer que passo a maior parte do meu tempo rodeado de psiquiatras, terapeutas de diversos segmentos, psicólogos, enfermairos, especialistas, etc. Um mundo onde o comportamento humano é estudado de diversas formas, muito mais do que se possa imaginar. Somos pagos e treinados para isso. Perdemos anos de nossas vidas dedicados a compreender cada vez mais o motivo de alguns de nossos irmãos da mesma espécie sofrerem tanto psiquicamente. Pois bem - ainda estou de pé. Que bacana! Não descobriram meu segredo. Depois de quase dois anos trabalhando como um destes especialistas, algumas vezes debatendo casos em reuniões clinicas sobre pessoas que já manifestaram os mesmos sintomas que eu, estou aqui. É fácil assim? Não, não é... Mas tento fazer a minha parte, não perder a critica e tentar olhar para dentro de mim. Agradeço a Deus por permitir que eu possa ajudar outros irmãozinhos como eu. Outros com problemas muito maiores. Pode ser que lá em cima Jesus esteja jogando truco com Maomé, Buda e Chistna. Quem sabe? Aos poucos vou escrever um pouco mais sobre tudo isso, sobre os últimos acontecimentos. Beijos aos colegas!

Oração a São Jorge


Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meu inimigos. Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo. São Jorge Rogai por Nós.