terça-feira, 18 de novembro de 2008

Conhecer a si mesmo

Dentro do hospital pertencente ao instituto de psiquiatria no qual presto trabalhos voluntários, acompanho diversos casos das mais variadas patologias psiquiátricas. Somos o Pronto Socorro dos psicóticos. Isso mesmo, quem chega em estado grave é recebido por nós. Depois de algum tempo o paciente pode ser direcionado para outros andares dependendo da especialidade. Transtornos alimentares, de ansiedade, dependente químico, geriatria, infantil, neurocirurgia, etc. Dinheiro não é a principal motivação, tem que ter algum tipo de afinidade pelo que faz. Nunca ouvi falar de algum mercenário que ganhasse pouco. Ontem recebi um chute no joelho de um paciente esquizofrênico. Poucos minutos antes, ele havia dado um soco na cabeça de outro paciente que estava sentado assistindo TV. Antes que o circo pegasse fogo, a equipe de auxiliares responsável pelos pacientes investiu contra o paciente “agitado” imobilizando-o. Durante o processo no qual eu participei um chute acabou atingindo minha perna. Ao contrário do que se pode pensar, existem técnicas de restrição de espaço, de contenção física, dialogo terapêutico, protocolos de enfermagem, conduta médica, etc. A coisa é muito séria. E por mais incrível que pareça, os pacientes que mais esbravejam, falam alto, ou tentam afrontar as regras da enfermaria e a autoridade de seus cuidadores, são os que menos agridem. Mas não era sobre isso que eu desejava relatar. Estou cada vez mais apaixonado pela psiquiatria. Fiz esta escolha contrariando alguns conselhos. Um deles vindo do meu próprio psiquiatra, que disse não recomendar para outros a vida profissional que ele possui através da sua especialidade. Minha psicóloga acredita que isso possa ser uma forma que eu busquei em conhecer a minha própria doença. Nesta mesma semana eu vi claramente algo que não poderia ter presenciado em outro lugar. Dentre os bipolares estão conosco, há dois que se destacam, e logo no período da manhã um deles estava deitado em uma poltrona na frente da enfermaria todo choroso, lamentando a internação, requisitando a presença da mãe, dizendo que tudo aquilo era uma farsa, que não deveria estar internado. Enquanto ele dava suas demonstrações de afeto deprimido, do outro lado, próximo a sala dos médicos, um outro paciente com transtorno afetivo esbravejava falando sobre racismo, internação involuntária, que processaria o hospital, que era advogado e conhecia o código penal, etc, etc. Onde eu poderia ver uma demonstração tão clara dos extremos, que o transtorno afetivo bipolar pode acarretar em alguém? Um deles interrompeu o uso de medicamentos devido às campanhas políticas que estava participando, e o outro vinha do Rio Grande do Sul, após ter sofrido uma overdose de medicamentos. Cada um com suas próprias histórias e motivos, mas ambos sofrendo do mesmo distúrbio. Ouço dos médicos, discussões sobre a evolução de cada paciente, as medicações, as associações para potencializar este ou aquele fármaco. Vejo pacientes que chegam em plena crise, outros que vão embora da melhor maneira possível. Discursos negativos com idéias de suicídio, fuga, dor. Alguns completamente fora da realidade. Converso, ouço suas lamentações, procuro acorda-los para a realidade. Faço a minha parte da melhor maneira possível. Será que um dia eu também estarei nesta situação? Sendo carrega-lo pela minha família em plena crise? Acho injusto o que a natureza fez conosco. Mas ao mesmo tempo fico feliz por aqueles que tiveram a chance de conseguir ajuda terapêutica. Um dia eu li num fórum no Orkut, de uma comunidade de Bipolares, um sujeito argumentando sobre a possibilidade de não usar medicamentos de enfrentar a situação pelos seus próprios meios. Escreveu sobre as indústrias farmacêuticas, psiquiatras que viciavam sues pacientes, etc, etc. Primeiro: Será que ele já viu um bipolar maníaco? Psicótico? Totalmente fora da realidade? Querendo dar porrada, ou gastando tudo o que tem devido à pulsão, ou ainda sendo uma ameaça para si e para a própria família? Será que viu? Um sujeito que está num estado completamente irracional e sem a possibilidade de ser feito algum contato verbal? O que mais temos por lá são ambulâncias trazendo pessoas em estado psicótico. Administramos o que é necessário para o momento, analisa-se a situação, da forma que é preciso sem exageros ou desejos em manter o paciente mais tempo do que é necessário. Alguns infelizmente necessitarão de medicamentos para o resto da vida. E quer saber? As maiorias dos bipolares que chegam nestas condições são vítimas do próprio erro, do ato de interromper a terapia medicamentosa. Sim, alguns pacientes psiquiátricos podem viver sem medicamentos, mas outros não. Não se chega a esta conclusão sem ajuda profissional, infelizmente esta é a verdade.

Psicose é um termo psiquiátrico genérico que se refere a um estado mental no qual existe uma "perda de contacto com a realidade". Ao experimentar um episódio psicótico, um indivíduo pode ter alucinações ou delírios, assim como mudanças de personalidade e pensamento desorganizado. Tal é freqüentemente acompanhada por uma falta de "crítica” ou de "insight" que se traduz numa incapacidade de reconhecer o caráter estranho ou bizarro do seu comportamento. Desta forma surgem também dificuldades de interação social e em cumprir normalmente as atividades de vida diária. Fonte: Wikipédia