domingo, 30 de maio de 2010

Noites

Em noites como esta, em que os sentimentos ruins assolam o coração, nada satisfaz este vazio. Recorro a um copo de bebida num bar cheio de pessoas estranhas. Lembro do que já fiz por desespero, por desilusão, ou apenas por não encontrar o caminho de volta para a luz. Temos a desculpa de ninguém ter a idéia do que realmente sentimos. Quem já teve o desejo de dormir para sempre, ou nunca mais sair de um quarto escuro sabe o que realmente quero dizer. Todos falam sobre depressão, sobre sentimentos ruins, mas poucos tem a coragem de tentar tirar a própria vida. Romper com tudo... Rodando pela rua Augusta vejo prostitutas, pessoas vestidas de preto, tatuagens, piercings, musicas alternativas, todos querem ser diferentes de alguma forma. Bares de esquina, o neon dos puteiros contrastando com as entradas estilizadas das novas casas dedicadas ao público alternativo de São Paulo. Também vejo  universitários sentados  nas portas de alguns bares de esquina, provavelmente com seus papos cabeça que não levam a porra nenhuma. Pelo menos na minha adolescência pós-ditadura, havia muita ideologia no ar. Isso era evidente nas bandas de rock que ouvíamos, nos lugares que freqüentávamos, em todo aquele desejo da liberdade que havia sido reprimida até então. O mundo mudou, a solução é adaptar-se ou sucumbir. Apesar de tudo, todos tem em comum o copo de bebida na mão, a necessidade de atordoar de alguma forma a realidade. Não sou daqui, não pertenço a este lugar, mas é onde desejo estar. Quero passar por todos desapercebido, apenas mergulhar minhas mágoas num copo de vodka com limão e esperar... A garota de cabelo azul beija o rapaz de roupas escuras e olhar triste, a música bate nos meus ouvidos, mas não consegue me envolver. A garçonete não sorri, apenas ocupa-se em trocar mais uma vez o meu copo por outro mais cheio. Brinco com o gelo que ajuda a esfriar os meus ânimos, reclamo para colocarem mais uma fatia de limão. Não sinto mais tanta dor. O rapaz de braços tatuados responsável pelo som deve ter a mesma idade que eu. Fico imaginando como todas aquelas tatuagens em meu braço tornaria possível a minha entrada em algum hospital para trabalhar. Eu sempre quis fazer uma tatuagem, mas nunca tive coragem. Dizem que o estresse que carregamos é medido pela capacidade de dizermos "foda-se" para os problemas da vida. Quanto mais "foda-se",  menos estresse. Que bom se isso fosse verdade. Sinto falta dos charutos que fumei ao lado de um amigo nas poucas vezes que ele me acompanhou até aqui. Definitivamente eu não fumo, mas um bom charuto me fazia sentir-se mais. Não sei explicar. Acho que é o caso do Mauricinho que faz tudo o que papai manda, mas de vez em quando fuma um baseado para sentir-se "livre". Liberdade é o que muitos desejam neste momento. Amanhã todos estarão dentro dos trens e ônibus lotados, correndo contra o relógio para baterem o cartão no horário estipulado, tudo para garantir o necessário para movimentar as engrenagens do sistema. O "dj" coloca um trash dos anos 80. Eu viajo no tempo com  todo álcool dissolvendo o meu sistema nervoso central. Não posso exagerar. Preciso voltar para casa. Mas a noite segue... Uma garota de longos cabelos negros e mini saia esbarra pela segunda vez nas minhas costas, olho com severidade, mas ela me dá um longo sorriso. Quem eu quero não está aqui. A noite segue, cega, ajuda a esquecer a realidade. Do que seria dos heróis gregos sem as suas grandes tragédias. Dos trovadores e poetas sem as suas musas. Vou para casa.

São Paulo
(Finho/Ari Baltazar)

Tem dias que eu digo não
Inverno no meu coração
Meu mundo está em tua mão
Frio e garoa na escuridão...
Sem São Paulo
O meu dono é a solidão
Diga sim
Que eu digo não...
Quem é seu dono?
Ninguém, São Paulo
Desperta São Paulo!