quinta-feira, 22 de abril de 2010

Aos boçais

Relatos e depoimentos de quem vivencia não apenas o transtorno afetivo bipolar, mas também é responsável pelos cuidados e processos terapêuticos de outras pessoas acometidas por este mesmo mal. É algo um tanto curioso. No começo eu acreditava que isso faria de mim um profissional impar, no sentido de poder estar dos dois lados. Por mais detalhistas que alguns livros possam parecer, nada é tão surreal do que sentir na pele todas as suas conseqüências. Desta vez não escreverei sobre estados mistos, maníacos, hipomaníacos, psicóticos, depressivos, estabilizantes de humor, etc. Também não falarei sobre alguma “grande novidade” descoberta nestes últimos dias, e que poderia “revolucionar” os tradicionais tratamentos de distúrbios afetivos. Deixando os termos técnicos de lado, e descascando o verbo de uma forma tão informal quanto uma mesa de bar, desejo expressar meus sentimentos sobre aqueles que apesar de todas as crises, sofrimentos, lágrimas, etc. Continuam boicotando a si mesmos, levando ao limite a capacidade de seus amigos e familiares em apóia-los, ou de servirem de porto seguro a cada ato impensado, ou egoísta, desistindo ou camuflando seu próprio tratamento. Não falo daqueles cujas famílias são alienadas, a ponto de não os apoiarem, ou que algumas vezes procuram formas mirabolantes de cura no delírio de alguns curandeiros, ou sacerdotes populares que incentivam seus seguidores a negarem a ciência. Meus comentários são sobre aqueles sujeitos que somam incontáveis retornos às clinicas psiquiátricas, por negarem a própria doença, por acreditarem que a família deva carregar o fardo de suas crises, ou mesmo por encontrarem nas fases mais “exaltadas” uma forma de prazer. Os masoquistas, os egoístas, os egocêntricos, arrogantes, mas principalmente cegos. Haverá um momento em que estarão no buraco mais fundo de suas crises, desta vez, porém, sem o apoio daqueles que esgotaram seus recursos, sem as mãos que antes os afagavam, que ofereciam um abraço num momento de angústia. Acredito que nem todos são culpados por viverem de crise em crise, queimando a possibilidade de uma verdadeira recuperação, mas para aqueles cuja carapuça serviu. Minhas lamentações, pois mesmo em condições difíceis podemos identificar quem realmente deseja ter uma vida normal, voltar a viver, ou apenas ter um rótulo, usando a bipolaridade como desculpas para tudo.



Ai de mim! Se neste intento
por Gregório de Matos

Ai de mim! Se neste intento,
e costume de pecar
a morte me embaraçar
o salvar-me, como intento?
que mau caminho freqüento
para tão estreita conta;
oh que pena, e oh que afronta
será, quando ouvir dizer:
vai, maldito, a padecer,
onde Lucifer te aponta.
 
Valha-me Deus, que será
desta minha triste vida,
que assim mal logro perdida,
onde, Senhor, parará?
que conta se me fará
lá no fim, onde se apura
o mal, que sempre em mim dura,
o bem, que nunca abracei,
os gozos, que desprezei,
por uma eterna amargura.
 
Que desculpa posso dar,
quando ao tremendo juízo
for levado de improviso,
e o demônio me acusar?
Como me hei de desculpar
sem remédio, e sem ventura,
se for para aonde dura
o tormento eternamente,
ao que morre impenitente
sem confissão, nem fé pura.
 
Nome tenho de cristão,
e vivo brutualmente,
comunico a tanta gente
sem ter, quem me dê a mão:
Deus me chama co perdão
por auxílios, e conselhos,
eu ponho-me de joelhos
e mostro-me arrependido;
mas como tudo é fingido,
não me valem aparelhos.
 
Sempre que vou confessar-me,
digo, que deixo o pecado;
porém torno ao mau estado,
em que é certo o condenar-me:
mas lá está quem há de dar-me
o pago do proceder:
pagarei num vivo arder
de tormentos repetidos
sacrilégios cometidos
contra quem me deu o ser.

Mas se tenho tempo agora,
e Deus me quer perdoar,
que lhe hei de mais esperar,
para quando? ou em qual hora?
que será, quando traidora
a morte me acometer,
e então lugar não tiver
de deixar a ocasião,
na extrema condenação
me hei de vir a subverter.

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